dezembro de 2008.
Em uma festa de aniversário, espera-se que a pessoa homenageada seja o centro. Também se deseja que as felicitações recebidas brotem das entranhas do coração. Mas parece claro que, no Natal, tudo parece acontecer exatamente ao contrário. O aniversariante é quase um ilustre desconhecido e as saudações, na maioria das vezes, são ocas, copiadas e formais.
Os próprios símbolos da festa têm uma origem, senão falsa, prostituída. O nascimento teria sido em março, não em dezembro. A celebração, nesta data, tinha como objetivo ofuscar uma celebração cultural pagã e profana. Também o bom velhinho de hoje, nada tem a ver com o caridoso São Nicolau da tradição germânica. Ele não passa de uma bem sucedida jogada de marketing da Coca-
Cola, dos anos 30. E, os presentes, dificilmente, guardam o significado que lhe deram os Três Reis Magos.
Todo mundo sabe, que toda tradição evolui e que não é crime resignificar símbolos e acontecimentos. O que nunca se poderia fazer é a violação de uma cultura para tirar proveito dela. Para honrá-la, em primeiro lugar, seria preciso reconhecer nela profundos valores. Depois de mergulhar nela e, em um diálogo respeitoso, seria honesto e até necessário, a incorporação de valores, dimensões e proposições.
A visão católica hegemônica, a ferro e fogo, tentou inculcar nos bárbaros, uma verdade que legitimava um poder econômico. (Na mesma época em que Francisco de Assis ia, à pé, conversar com o Sultão; as cruzadas européias dizimavam os sarracenos para libertar a Terra Santa). O proselitismo religioso não hesitou em negar as sementes do Verbo, já presente nos povos, e se prestou à divulgação de uma versão travestida do Evangelho. Em seu nome, O
Natal negou e combateu uma festa popular.
Outra postura igualmente autoritária, preconceituosa e racista é a demagogia. Alguém que se reveste de um símbolo ou de uma linguagem para melhor inocular seu produto e seu veneno. Sua adesão não nasce na convicção, vem dos lábios; mas é capaz de atrair gente de boa fé, iludir muitos inocentes e causar estragos duradouros. Assim, o Santa Klaus reaparece como Papai Noel, não mais para cuidar das crianças empobrecidas, mas para encher o caixa de uma empresa que embebeda o povo. Não teria razão o poeta pernambucano (Aldemar Paiva – Monólogo de Natal) quando dizia: “Não gosto de você Papai Noel. Também não gosto desse seu papel de vender ilusões à burguesia. Se os garotos humildes da cidade soubessem do seu ódio à humildade, jogavam pedra nessa fantasia. (…)”?
Um presente vale pelo reconhecimento, pelo coração e pela ternura nele colocados. O mesmo já não se pode dizer dos amigos secretos e das boas festas que, no geral, são ditados pelos comerciais, pelo consumismo e pelas
formalidades. Todo esse fingimento já não trás a marca da amizade, da veneração e do compromisso. Onde está o Messias? Veio para os ‘seus’ que fechados e ocupados nos seus templos, não O reconheceram… Nunca poderiam ver sua estrela parada sobre um barraco… Os magos “pagãos”, depois de homenagear Jesus na manjedoura, saíram do caminho proposto por Herodes e retornaram para os confins da terra.
Os cristãos, certamente, preferem seguir a tradição de Francisco de Assis que, na imagem pedagógica do presépio, infunde, na alma dos pobres, esperança e certezas:
Uma criança, nascida numa cocheira, despida do poderio deste mundo, se encarna, arma sua tenda entre nós porque não há lugar para ela, no centro da cidade e nas catedrais católicas;
Pobres cantam ‘Gloria’; profanos vêem o Messias e ambos, felizes, por serem os seus de verdade, o homenageiam e ofertam presentes. A revelação é feita lá onde se trava a batalha pela vida.
Apesar da cegueira, da surdez e do coração endurecido, o clamor é tão intenso que é impossível ignorá-lo. Por isso, os ricos e sacerdotes, sem deixar seus patrimônios, querem saber do menino para trazê-lo para sua ‘panelinha’ que dizem ser o centro, a pureza, a civilização, o exemplo, a especialização na letra das Escrituras.
Abençoados e refeitos, os rejeitados abandonam os caminhos oficiais e retornam para ruas, estradas nos confins de Zabulon e Neftali, levando a boa noticia que afasta as trevas, levanta o ânimo dos oprimidos e perturba o sono do rei.