Não sei dizer exatamente o ano. Sei, com absoluta certeza, que o Ministro José Arnaldo da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça, veio a Aracaju receber uma medalha, ou da Prefeitura Municipal ou do Estado de Sergipe. A entrega se verificou no auditório do Tribunal de Justiça. Alguns ministros se fizeram presentes. De memória, registro o nome de Luiz Carlos Fontes de Alencar e do então presidente do STJ o ministro Antonio Pádua Ribeiro. Mas tinha mais gente do STJ, cujos nomes não me lembro. Acredito que o doutor Luiz Antonio Silveira Teixeira possa catalogar o nome de todos os ministros presentes, com mais facilidade.

Fomos nós, eu e o dr. Carlos Rebelo Júnior, modestos juízes federais de primeira instância, prestigiar o acontecido, numa tarde de sexta-feira, tarde, aliás, de muito sol. O ministro José Arnaldo da Fonseca é uma figura simpática e afável, com a capacidade de deixar as pessoas, ao seu redor, bem à vontade. Antes da solenidade, para meu desconsolo, eu, que, naquele ano, estava na Direção do Foro da Seção Judiciária de Sergipe, o ministro presidente do STJ teve a feliz idéia de querer visitar a sede da Justiça Federal. Ora, a visita não estava no roteiro da presença dos senhores ministros em Aracaju. O expediente, na sexta-feira, à época, ocorria pela manhã, a partir das 7 horas, terminando às 13 horas. Não havia necessidade de ficar o protocolo aberto para esperar alguma medida de urgência. Em suma, o Fórum Ministro Geraldo Barreto Sobral estava literal e materialmente fechado, fato que me perturbou ante a assertiva do ministro presidente de que, depois da solenidade, que seria, como foi, como é, rápida, iria conhecer a sede local da Justiça Federal.

Não prestei atenção direito à solenidade, na tentativa de localizar o Diretor Administrativo a fim de abrir, com a devida urgência, e, aliás, imperiosa urgentíssima, o Fórum, para poder oferecer a comitiva ministerial o prazer de conhecer a nossa sede, orgulho de todos nós, juizes e servidores. Para meu azar, não consegui. Inúmeros foram os telefonemas em vão. Esse departamento de chaves, de portas se abrindo e portas se fechando, nunca tinha chegado ao meu conhecimento, de maneira que fiquei baratinado com os dilemas e problemas que se situavam bem perto de mim, na ponta do meu nariz, sem que conseguisse, naquele exato momento, manter contato com o Diretor Administrativo.

Graças aos bons deuses, o dr. Carlos Rebelo Júnior conseguiu localizar a Diretora do Núcleo Administrativo que se deslocou até o Fórum Ministro Geraldo Barreto Sobral, com muita rapidez e eficiência, de forma que, ao chegar, a caravana do Ministro Antonio Pádua Ribeiro já encontrou alguém, com muitas divisas, a altura de receber toda a comitiva. Chegamos, eu o dr. Rebelo, alguns minutos depois, mas o suficiente para tomar a frente dos fatos e, com a desculpa, dada por mim, de que o Fórum estava fechado, levar a comitiva para conhecer o pequeno córrego que atravessa a área do Fórum, bem cercado de robustas árvores, onde, no solo salpicado de gramas, galinhas, perus, pavões, patos, marrecos, guinés, gansos, pombos e pássaros de diferentes tipos, habitavam, além de algumas cabeças de carneiros dos olhos verdes e couro preto. A legião destes animais era algo que dava um tom rústico e rural a nova (e definitiva) sede da Justiça Federal, fato que a gente transmitia por onde chegava, se espalhando ao longo dos quinze mil metros quadrados, deixando a marca de fezes, animais alimentados pela iniciativa do juiz Carlos Rebelo Júnior, a comprar ração e milho que, nos horários determinados, eram distribuídos religiosamente a todos. Uma festa a paisagem.
E, na falta de outra coisa para exibir, o Fórum fechado, fomos mostrar as Suas Excelências o córrego, as árvores e a criação referida, verdadeiro oásis dentro do deserto urbano de uma cidade em vertiginoso crescimento, verde bonito, das árvores e da grama, a exibir o bom cuidado que o serviço de jardinagem dispensava à área não construída, marcada, desde a entrada, por mangueiras que cresciam, cajueiros, sapotas, mamoeiros, entre outras árvores, além de algumas e potentes palmeiras, já a se erguer, na frente do prédio, paisagem, enfim, que se sempre se constituiu em bom assunto para a gente, que ali trabalhava, ressaltar a beleza do nosso Fórum, lá fora.

O que ninguém podia imaginar era que, da frente do Fórum, na calçada, logo depois das escadarias, onde nos reunimos à comitiva ministerial, para daí chegarmos ao pequeno córrego, um casal apaixonado de gansos fosse se colocar no nosso caminho. Pois foi. Indiferentes a magistrados, componentes do mais alto tribunal federal do país, tão alto que é chamado, constitucionalmente, de Superior, nome que marca bem sua condição de superioridade aos tribunais regionais federais e aos de justiça, com a difícil missão de interpretar a norma infraconstitucional, vestidos em ternos sumamente elegantes, e a modestos juízes locais, o casal de gansos não teve a menor cerimônia de se colocar no meio do caminho da comitiva para…, bem, para um demorado ato de amor.
A comitiva, por alguns segundos, não acreditou em tamanha ousadia e liberdade, ante a cena que via, o macho se acomodando na fêmea, o bico apertando o pescoço da bem amada, até alcançar a posição devida para o ato que a atração mútua os conduzia. Por rápidos instantes, todos pararam, mesmo porque o casal ficou, ostensivamente, à frente dos eminentes ministros. O que eu deveria ter feito? Espantar os gansos, e, desta forma, atrapalhar o ato? Longe de mim tal iniciativa. Fazer lembrar ao ardente casal que o momento não era adequado a tal cena, certo, de antemão, que, entre eles, o ato é público e notório? Fiquei, como ficou a comitiva, calado e sem iniciativa a nenhum passo, até que o ministro Luiz Carlos Fontes de Alencar, com uma frase genial, quebrou o silêncio do momento e o espanto de todos:
– A explosão da vida!, exclamou, com um jeito bem irônico.

A comitiva se abriu para não atrapalhar o casal de gansos. Todos calados, ninguém com a menor iniciativa de fazer qualquer comentário sobre o fato. Só a frase do ministro Luiz Carlos Fontes de Alencar repicava em cada um. Vimos o córrego, as árvores ao redor, o verde que nos enchia, como nos enche, de orgulho. Retornamos para o transporte de volta, na impossibilidade de ingressar no Fórum. Os dois gansos se afastavam felizes, lado a lado. A fêmea, pude notar, ainda se refazia, ajeitando as penas.

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Publicado no Correio de Sergipe

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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