CIÊNCIA E RELIGIÃO
O Dia de Finados trouxe uma mobilização inevitável pois todo mundo tem algum ente querido a quem recordar nesse dia. A compra de flores, as celebrações da missa se multiplicaram, especialmente nos cemitérios e as visitas aos túmulos.
E a morte é sempre um mistério, para crentes e não crentes. E as religiões reservam ritos e orações especiais para esse momento. Para o cristianismo nascente, as celebrações litúrgicas se desenvolviam nas catacumbas, cemitérios pagãos cedidos para abrigar os cristãos e onde a memória dos mártires era cultivada através do ágape eucarístico.
A comemoração dos fiéis falecidos teve uma expansão a partir da Abadia de Cluny, na França, no século X, ocupando um grande lugar na devoção cristã, chegando ao ponto do Papa Bento XV ( durante a 1ª Guerra) conceder aos sacerdotes católicos o privilégio de poderem celebrar três missas nessa dia, em sufrágio dos mortos.
Independente de crença religiosa, a pessoa humana tem sempre uma interrogação básica, que a própria filosofia natural coloca ao ser pensante : quem eu sou, de onde vim , para onde vou?
Há na pessoa um impulso para o ter que, normalmente, neurotiza a todos e a sociedade. A grande verdade, é que nunca achamos que temos o suficiente. Vivemos voltados para um contínuo amanhã, do qual esperamos sempre mais: mais amor, mais felicidade, mais bem-estar, mais tudo … Vivemos impelidos pela esperança. Mas no fundo dessa nossa dinâmica de vida e esperança, se oculta, sempre à espreita, o pensamento da morte, um pensamento ao qual não nos habituamos e que sempre queremos afastar. No entanto, a morte é a companheira de toda nossa existência; despedidas e doenças, dores e desilusões são dela sinais a nos advertir.
Mas a morte tem também uma abordagem da ciência e talvez seja o mistério não resolvido da ciência e o mais impenetrável da história da humanidade.
O jornal A Tarde analisou no dia dos mortos num artigo – Vida após a morte – as experiências de pacientes em UTI que descrevem o que sentiam após a parada cardíaca. E nesse sentido, cita o estudo relatado no livro “O que acontece quando morremos”, do médico Sam Parnia, recentemente lançado pela editora Larousse. Essa é mais uma tentativa de chegar mais pero do enigma através de uma minuciosa pesquisa sobre a quase-morte e fatos vivenciados em UTI. E o artigo se desdobra citando vivências de pessoas ligadas à ciência com a experiência de quase-morte. Segundo o neuropsiquiatra Peter Fenwick , do Royal College of Psychiatrists de Londres, essas experiências de quase-morte “são tão alarmantes quanto intrigantes e podem conter a chave para a descoberta do que acontece não apenas quando morremos, mas também para a questão mais ampla da natureza do ser”.
O filósofo Wittgenstein dizia que “sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”. Os avanços nesse campo, nos nossos dias, ultrapassam esse ponto de vista. Um dos pioneiros nessa abordagem foi o médico Raymond Moody, autor do livro Vida Após a Morte. Mas Sam Parnia, citado acima, foi mais além. Ele se debruçou sobre o cotidiano no hospital britânico Southampton General, local em que começou a se interessar nas informações dadas por seus pacientes que passaram pelo momento clinicamente conhecido como o ponto de morte. Ele percebeu que a melhor compreensão sobre a morte pode ser atingida ao estudar experiências de quase-morte, quando o coração deixa de bater e , após onze minutos a consciência e atividade cerebral cessam. Segundo ele , esse estado permanece reversível por trinta minutos e é o modelo possível para que a ciência ultrapasse o portal para o desconhecido e construa uma teoria sobre o processo da morte. Diz o pesquisador: “Trata-se de uma brecha excepcional de compreensão para aquilo que experimentamos como o fim da vida”.
Há muitos casos de pessoas que descrevem suas experiências de quase-morte e que contam sua sensação de terem deixado seus corpos. Há um caso da Nova Zelândia em que a pessoa diz que “sabia que estava numa existência diferente; em meu estado inconsciente e pensei : então isso é a morte. A única coisa que permaneceu foi que o meu espírito se movia separadamente de meu corpo…”.
De qualquer forma, a morte permanece como um mistério profundo. E podemos nos perguntar se o fato de ser cristão muda alguma coisa no modo de considerar e enfrentar a morte ? Qual a atitude cristã diante da pergunta sobre o sentido último da existência humana, que a morte nos põe continuamente?
A resposta se encontra na profundeza da nossa fé. A morte para o cristão segue as pegadas da morte de Cristo : a morte tem aparência de derrota mas é uma vitória e que é essencialmente não-morte pois aponta para a ressurreição final. Como se dará isso, precisamente, não sabemos. Não cabe à pessoa, de forma positivista, medir a imensidade do dom e das promessas de Deus que nos falou através do seu Filho Jesus Cristo.
*Sebastião Heber Vieira Costa. Prof. de Antropologia da Uneb, da Cairu, da Faculdade 2 de Julho. Membro da Academia Mater Salvatoris, do IGHB e do Instituto de Genealogia da Bahia.