Paula Barros 25 de novembro de 2008


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Domingo de carnaval. À tarde. Paro em frente a uma senhora, sentada na calçada, suja, bastante suja. Aquele tipo que dizemos imunda, podre. Os cabelos estavam grudados de tanta sujeira. Não sei precisar se estava embriagada. Na realidade não parecia. Parecia estar embriagada da vida maltrapilha, mal cuidada.
Fiquei paralisada, eu e dois colegas. Olhávamos, comentávamos.
Disse: isso é um fiapo de gente, meu Deus!
Eles preferiram dar as costas. Assim como fazemos para tantas coisas da vida. E eu ali, olhando, pensando, imóvel.
Um deles questionou, a Prefeitura não faz nada? Não soubemos responder.
Sempre que vejo alguém na rua muito suja, gostaria de dar um banho. E disse: queria ter um lava-jato de gente. Gostaria de esfregar bem, colocar roupas limpas, colocar perfume, e mostrá-la num espelho. Depois claro daria comida, e tentaria fazer um trabalho social.
O pior da cena era vê-la comendo. Realmente o que chocou foi isto. Ela estava com um saco transparente, pequeno, cheio de restos de comida, parecia até que tinha ossos já roídos, parecia tirados do lixo, ela colocava no chão, esfregava segurando com uma das mãos, o olhar perdido, e a mão vagarosamente seguia até a boca. Tudo muito vagaroso.
Eu, ali parada, imóvel, pensando em tantas coisas. E Deus? Por que existem tantas diferenças? E o governo? E eu o que faço para mudar isso? O que faço diante daquela cena? Lágrimas vinham aos olhos. Pensava que eu ia almoçar ainda. Que estava com uma banana na bolsa, dar ou não? O que seria uma banana diante daquela cena? Diante daquela vida? E não me movia. Não fazia nada. Dar dinheiro? O que ela faria com o dinheiro? E era da minha conta. Como fico imóvel diante da vida, só por causa dos pensamentos, que pensam demais.
Nessas conversas, tinha uma lembrança, uma voz que falava comigo mais insistente. Até que não agüentou mais falar e gritou comigo. Então me movi. Aproximei, e ainda temerosa de um fora, perguntei: a senhora aceita uma banana? E minha voz interna e perturbadora diz: que ridículo, oferecer uma banana. Mas você tem uma banana, ofereça. Esta banana não lhe serve mais, diante desta cena, ela não lhe pertence, mesmo que você não dê a ela.
Uma banana! Aceito uma banana. Quando ela disse isso me pareceu até mais doloroso que um fora. Esperava um fora. Aquela voz macia, surpresa em receber uma banana. Parecendo ser o melhor prato de almoço do mundo, doeu na minha alma, que é tão frágil e insegura. Levantou-se, pegou a banana. E ficou com a banana na mão, parada, em câmara lenta.
Meus colegas já seguiam, me chamavam, olhavam para trás.
Queria ver o que ela faria com a banana.
Talvez todas as vezes que for comer banana lembre dela.

Lembrei das “bananas” que temos que dar pela vida afora e não damos.
Escrever tudo isto é reviver tantas coisas. Que estavam naquela cena, e não eram necessariamente daquela cena.
Desde a minha adolescência acho que cada um de nós somos a própria representação de Deus. Esse Deus que nos ensinaram não pode fazer tudo, nós temos que fazer a nossa parte. E mais uma vez não soube ser Deus.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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