Passara a tarde inteira perambulando. Caminhei, por muito tempo, entre os canteiros da praça que ficava perto de casa. “Oh rosa amarela, ó meu beija-flor”… O pensamento dos outros me traia desviando-me do meu.
De manhã acordei querendo não acordar. Tudo me cansava, era uma rotina só. Queria me revoltar contra um mundo que aos poucos se fora fechando ao meu redor, me sufocando. As obrigações domésticas, o choro das crianças que se estendia pela noite, problemas com a empregada, com os meninos no colégio, com as contas a pagar, ora, tanta coisa inútil. E eu? Nada do que eu fazia deixava-me tempo e espaço para saber de mim. Há muito, perdera-me na rotina. Naquele dia, eu me resolvera, abri a porta e saí. Saí para não mais voltar.
A praça cercada por densa vegetação onde entrei como se entrasse numa mata. Não queria ouvir os ruídos do mundo. Aliás ruídos era o que menos eu queria ouvir. Estava cansada dos sons de todos os dias.
Nos grandes arcos enramavam roseiras desafiando, com sua beleza, os meus abismos. Abismos, nem sei qual deles me amedrontava, se o que deixara para traz ou o que via à minha frente cheio de promessas.
Anoitecia. Há muito não andava sozinha depois do anoitecer.
Antes era diferente. Nos momentos de indecisão entre a claridade e a escuridão, a cumplicidade dos encontros com Raul, as caminhadas furtivas por entre as alamedas silenciosas interrompidas para…, bem, falar disso agora também me cansa.
O anoitecer era um toque de recolher. Tinha que voltar. Precisava voltar. Minha revolta era maior por sentir que eu era meu próprio carcereiro e vigia, meu próprio algoz. Quem me obrigava a voltar?
Quando entrei na rua estreita havia perdido a noção de tempo. As sombras das casas se misturavam com formas reais. Uma nesga de céu tão pálida quanto minha vontade de voltar, era como um espelho onde via meu sorriso amarelo, sem graça. Casas, grades nas janelas, prisões. Portas sem grades abertas para sair e voltar. As minhas, não sabia como livrar-me delas.
Diminui os passos. Não voltaria, decidi. Segui até o fim da rua caminhando cada vez mais depressa. A sensação de perda era enorme. A de liberdade maior. Cerrei os olhos por um momento naquele dia. Há um muito anoitecido, andei, andei.
Não sabia há quanto tempo andava. Pelo cansaço que sentia, deveria estar muito longe de casa. Não prestara atenção em nada a não ser no caminho de ir.
Por ser Domingo, o silêncio era grande. Por ser noite a escuridão era grande. Por querer partir, minha pressa era maior.
Cansei. Sentei no primeiro degrau que encontrei. Com a cabeça arriada sobre os joelhos tive um sobressalto quando alguém sentou ao meu lado.
– Procurei você por toda parte.
Era Raul. Eu estava na porta de casa. Havia caminhado a noite inteira ao redor da minha rotina.