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Várias tradições espirituais vêem a Terra e o universo como criação do amor divino. Entretanto, a maioria delas diz que, um dia, tudo isso se acabará. Na Bíblia, os profetas vêem o fim do mundo como intervenção justiceira de Deus contra as iniqüidades da sociedade. Chamam este acontecimento de “dia do Senhor”. Embora Jesus tenha preferido anunciar a boa nova do amor divino, os evangelhos narram um discurso seu, no qual ele retoma a mensagem dos profetas e prevê para breve o fim dos tempos. A finalidade de suas palavras era ajudar os cristãos a enfrentar, sem desanimar, as adversidades e perseguições. Para Jesus, não se tratava propriamente do fim do mundo e sim do fim de um tipo de mundo.

Jesus usou expressões simbólicas mais compreensíveis a seus ouvintes do que a nós. Disse que antes de vir o fim, o sol se escurecerá, a lua perderá o clarão, as estrelas cairão e na terra, haverá tremor e confusão. Os evangelistas contam que quando ele morreu na cruz, vários destes sinais aconteceram. O sol perdeu sua luz e um tremor de terra devastou a terra. Este acontecimento simbólico se completou, quando o véu que, no templo de Jerusalém, separava o santuário do mundo rasgou-se de alto a baixo. Com a morte de Jesus, acabava-se um mundo e começava um mundo novo, ao qual podemos pertencer.

Muitos estudiosos achavam que a crença no fim do mundo era assunto para seitas fanáticas e fundamentalistas. Hoje, cada vez mais aumenta o número de pessoas que sabe: este mundo pode acabar, sim. Os riscos são cada vez mais concretos e palpáveis. Se, realmente, ocorrer, este desenlace final não virá por algum castigo divino ou intervenção do céu, mas como conseqüência do modelo de sociedade depredadora e irresponsável que, há séculos, o Ocidente impôs ao mundo. Hoje, a humanidade tem poder para destruir a vida e acabar com tudo. Se a sociedade internacional continuar este caminho de destruição da natureza, ainda no século XXI, o ar se tornará irrespirável e faltará água no planeta.
Timothy Radcliffe, ex-geral dos frades dominicanos, escreveu: “Vivemos em um mundo em fuga. Isso gera uma angústia profunda. Nós, cristãos, não detemos nenhum conhecimento particular a respeito do futuro. Não sabemos mais do que outros, se estamos no caminho da guerra ou da paz, da prosperidade ou da pobreza. Também nós somos frequentemente pressionados pela angústia de nossos contemporâneos. Neste mundo em fuga, o que os cristãos oferecem não é o conhecimento, mas a sabedoria da destinação última da humanidade: o reino de Deus. Não temos, talvez, nenhuma idéia da maneira como virá o reino de Deus, mas cremos que ele não falha e vence todos os obstáculos contra a vida”. (DC n°2245-1/04/2001-p 338)

Vinícius de Morais tinha razão quando cantava: “Às vezes, quero crer mas não consigo. É tudo uma total insensatez! Aí pergunto a Deus: escute, amigo! Se foi prá desfazer por que é que fez?” (Cotidiano n.2). Agora, no céu, Vinícius sabe que Deus, fonte da vida e de amor, nunca destruirá aquilo que ele mesmo criou. Conforme um relato bíblico, depois de um dilúvio que o povo interpretou como castigo divino, Deus pendurou no céu o seu arco de guerreiro. O arco-íris tornou-se sinal de uma aliança eterna de paz e amor que Ele fez com o universo.

No próximo domingo, a Igreja Católica e algumas Igrejas evangélicas começam um novo ano litúrgico. As comunidades escutam textos do Evangelho, nos quais Jesus anuncia os sinais desta crise do mundo e nos chama a viver um tempo novo da graça divina. Os Evangelhos falam do fim de um mundo para celebrar e anunciar a vinda (ou Advento) deste mundo novo de paz e justiça que Jesus quis trazer e nos chama a ajudá-lo a construir.

Normalmente, as pessoas pensam a fé mais como “a certeza das coisas que não se vêem” do que como adesão à esperança da realização do projeto divino. Sem dúvida, devemos curtir no coração e preparar ativamente a realização desta esperança. Dom Pedro Casaldáliga propõe: “saber esperar ativamente aquilo que não nos permite apenas esperar”. É isso que todas as tradições espirituais vivem nas formas diversas de seus costumes litúrgicos. As Igrejas cristãs ligam esta esperança do reino com a memória do Natal de Jesus e a expectativa da manifestação visível de sua vinda. Todo brasileiro conhece um refrão da música popular que expressa a atitude fundamental de abertura à vida e ao futuro. Uma pessoa apaixonada espera outra a quem ama e deseja. Uma família espera o filho voltar para a casa. Uma mulher grávida aguarda a chegada do primeiro filho. Tudo isso é atitude de expectativa. Assim, esperamos a realização da paz e da justiça divinas e podemos cantar com Alceu Valença: “Tu vens, tu vens! Eu já escuto os teus sinais”.

* Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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