([email protected])

Quando a ONU escolheu a data de 06 de novembro para ser “o dia internacional para a prevenção da exploração do meio ambiente”, já tinha a consciência de que a prevenção contém um elemento técnico, supõe uma opção política clara, mas não basta. O ser humano só mudará a sua forma de relacionar-se com os seus semelhantes e com os outros seres vivos se optar por um olhar de amor sobre o universo. Ao aprofundar a relação consigo mesmo e com os outros, é fundamental pressentir uma marca divina por trás de cada ser do universo.

“O Planeta Terra abriga, atualmente, 6, 4 bilhões de pessoas. Este número é seis vezes maior do que em 1830, época da revolução industrial e início do processo de crescimento acentuado das áreas urbanas. Nos próximos 50 anos, a previsão é de que o mundo tenha entre 8, 5 a 9 bilhões de habitantes. Mas, como viverá essa população, se metade dos recursos hídricos disponíveis para consumo humano e 47% da área terrestre já são utilizados? E ainda assim 925 milhões de pessoas passam fome e, a cada dia, mais de 30 mil morrem por este motivo? Estudos afirmam que a relação entre crescimento populacional e o uso de recursos do Planeta já ultrapassou em 20% a capacidade de reposição da biosfera e esse déficit aumenta cerca de 2,5% cada ano. Isso quer dizer que a diversidade biológica – de onde vêm novos medicamentos, novos alimentos e materiais para substituir os que se esgotam – está sendo destruída muito mais rápido do que está sendo reposta. Esse desequilíbrio está crescendo. Até 2030, 70% da biodiversidade poderá ter desaparecido…” .

Desde os tempos em que, no século XVIII, os bandeirantes e aventureiros de São Paulo, penetraram no nosso Centro-oeste, atrás de ouro e de índios para escravizar, a Serra Dourada, qual misterioso paredão de pedras que atravessa quilômetros, se levanta como uma barreira que exige parada e reflexão. Hoje, esta cadeia montanhosa que atravessa diversos municípios do cerrado goiano, divide os territórios da querida Cidade de Goiás da velha Mossâmedes, que, até pouco mais de um século, era um aldeamento para amansar “bugres brabos”, ou seja, índios que não aceitavam ser escravos. Dizem que a serra foi ficando amarelada de tanto ver injustiças e opressões. Os brancos que só pensam em riquezas viram a Serra empalidecer e julgaram ser por causa do brilho do ouro em suas veias de pedra. Denominaram-na de Serra Dourada. Ao aproximar-se da cidade de Goiás, o majestoso paredão se enriquece de picos para que melhor se contemple, do mais alto, o planalto agreste tão amplo, que no horizonte se torna azul e se faz um só com o céu sem nuvens.

Dizem que ali, sobre um daqueles pontos altos mais próximos ao céu, há uma pedra misteriosa que os índios chamavam de “Salto do Vento”. É um recanto sagrado que nenhum branco sabe com certeza designar onde fica. Naquele ponto do paredão vertical, muitos guerreiros Kaiapós voaram para os campos sem escravidão, para não ser aprisionados por seus algozes. Até hoje, os espíritos dos antepassados rondam aquele lugar sacrossanto. Com o urubu-rei que, nos fins de tarde, sobrevoa o paredão, velam sobre aquele santuário, até hoje, intocado. Agora, os espíritos choram não mais apenas os jovens guerreiros que saltaram sobre o Salto do Vento. Velam sobre o Cerrado goiano, assassinado pelas fazendas de soja e pela ameaça de tornar a região um imenso canavial para produzir etanol e abastecer os carros dos norte-americanos ricos.

Apesar de tudo, uma profunda esperança brilha sobre esta terra. Ela vem do fato de que, no mundo inteiro, a cada dia, cresce o número de pessoas e grupos que aprofundam a espiritualidade e se põem em diálogo para buscar novos caminhos. O resgate da dignidade da Terra, da Água e do Ar está na ordem do dia de grupos espirituais das mais diversas tradições. As próprias Igrejas cristãs que, durante séculos, pareciam não ligar o ato criador de Deus com sua atuação salvadora na história, nas últimas décadas têm todas aprofundado esta questão.

Outra esperança é a caminhada dos movimentos feministas. A conexão entre a causa da Mulher e a Ecologia é antiga. Em 1974, a escritora francesa Françoise d’Eaubonne cunhou o termo “eco-feminismo” para designar “o potencial que têm as mulheres de levar a termo uma revolução ecológica que assegure a sobrevivência humana no planeta”. Vandana Shiva diz que “o dano provocado à natureza implica também dano à mulher, já que ambas são exploradas pelo capitalismo patriarcal” .

Na América Latina, um dos mais importantes sinais de esperança para a causa ecológica é o fortalecimento do movimento indígena. Como em outros países, no Brasil, tem ocorrido uma verdadeira ressurreição de diversos povos, antes considerados extintos e que, hoje, falam sua língua e refazem costumes comunitários. O cuidado com a Terra, a Água e todos os seres vivos é elemento essencial deste processo cultural e religioso. Todos nós somos convidados a participar ativamente desta liturgia de amor.

* Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]