“E não sabendo que era impossível, ela foi lá, e fez”
outubro de 2008
Cheguei feliz ao aeroporto para atender a uma atividade de trabalho. Prevendo a intensidade do tráfego, preferi sair mais cedo acabei chegando com uma folga de tempo mais do que a necessária. Aí começou uma novela que teve um final feliz e que trouxe aprendizagens, reflexões filosóficas e muita gozação de quem soube da história.
Ao entrar na fila para o embarque percebi que não tinha um documento de identidade que contivesse uma foto e não havia tempo hábil para buscá-la. Por isso, ao chegar ao balcão de atendimento, já fui adiantando o esquecimento, mas que portava outros documentos, inclusive o cartão de milhagem daquela companhia.
O atendente, num ataque súbito de autoridade ou de zelo, quem sabe, foi logo dizendo que, sem o referido documento, não haveria qualquer possibilidade de embarcar. Em todo caso, e para não parecer insensível, imagino, iria consultar seu gerente. A resposta era previsível – não havia como embarcar, seria necessário providenciar o documento, o bilhete seria adiado…
Diante de mim, surgiram duas pressões (um grupo me esperava para a atividade e um colega estava junto para a realização do trabalho) e um desafio (por que entregar-se, quem disse que não dá?). A primeira atitude foi respirar, manter a calma e tentar outros caminhos, afinal a esperança é a última que morre. Nessa hora me ajudou a afirmação de um amigo que dizia “no Brasil, quando algo parece absolutamente certo, pode virar impossível, e quando tudo parece impossível, pode virar possível”.
Primeiro, fui à loja da companhia, onde a moça que atendia levantou a cabeça, repetiu que o a rotina era exigir o documento, mas aventou a possibilidade de ir ao posto policial, fazer um B. O. e, quem sabe… Sim, mas… e as conseqüências? Por isso, preferi ir ao setor de informações que se aliou para resolver o problema. A última sugestão era dirigir-se à ANAC. Talvez esse não fosse o primeiro caso, então,…
Antes de ouvir toda a minha ladainha, a ANAC informou que o melhor setor seria o Serviço de Atendimento ao Cliente. A atendente encaminhou pra um rapaz que ouviu a minha história. Com jeito, e sem se comprometer com a orientação que dava, falou que se a polícia civil atestasse uma Declaração de extravio do documento, o SAC abonaria e, com isso, poderia viajar tranqüilo. Na Polícia Civil, o delegado acostumado com relatos de parecidos, não fez dificuldade; só explicou que B.O. valia por 15 dias e, como a identidade seria bloqueada, era preciso providenciar uma segunda via.
Ainda bem que cheguei cedo, pois, a maratona nos corredores do aeroporto, foi longa. O melhor de tudo, depois que baixa a adrenalina e, a gente consegue rir de si mesmo, são as versões e os comentários apimentados do fato. Tem de tudo – o acento nas situações cômicas, o acúmulo de novas informações, as maledicências sobre as pessoas que entraram, sem querer, na história e até os lances filosóficos.
Imaginem que, na espera do embarque, chegamos a inútil conclusão de demonstrar que o princípio de identidade, por séculos venerado pelos escolásticos, no referido caso, foi totalmente derrotado. Por ele se afirmava que o que é, é e não pode não ser; ou, dizendo negativamente, o que não é, não é e não pode ser. O fato do aeroporto prova, com sobra, que o que não era, foi e o que era, não foi. Ou, para dizer como meu colega, para o Brasil não há nada impossível e se era possível, pode não ser mais. E por não saber explicar essa complexidade, ousamos explicar que a realidade é assim porque é dialética.