Muito obrigada pelos elogios à minha pessoa. Acho, apenas, que o coração do amigo retrata-me com cores diáfanas. Mas tudo bem, aceito o “inconfundível”, como expressão ditada pela grande amizade, a qual procuro retribuir com verdadeira reciprocidade.

Achei deveras interessante e inusitado o seu relato sobre a atitude do professor frente à uma prenda enviada por seus tios que aqui viviam, tendo eu conhecido apenas a querida Micas, de saudosa memória. Eram outros tempos que mereciam evoluir e de fato evoluíram, chegando às raias do exagero, conforme a situação atual do ensino em Portugal, mencionada por você.

No Brasil, embora eu não conheça relatos de práxis tão rigorosas quanto aquelas citadas por você, todavia, o ensino, ao longo dos anos também tem elastecido, chegando a níveis muito baixos, especialmente em universidades particulares, onde o ensino tornou-se mercadoria, tendo como prioridade de parte dos alunos, tão somente, receber um diploma que os capacite para a entrada no mercado de trabalho e de parte dos administradores de tais faculdades, a expansão de suas escolas.

Atualmente, o Ministério da Educação tem coibido a abertura de tantas faculdades, mediante exigências que dificultam a criação de escolas que não representem uma necessidade para determinados lugares e para áreas específicas de ensino.

Assim, foi criado um sistema de avaliação para todas as faculdades públicas e privadas, nas diversas áreas de ensino e muitas, especialmente as particulares, tiveram uma avaliação muito aquém do necessário para se capacitarem como escolas de ensino superior ou equivalente.

Quanto a mim, não alcancei aqueles métodos peculiares da pedagogia antiga, mas, ouvi contar que em tempos mais remotos era muito usada a palmatória como corretivo para quem não se dedicasse a estudar a cartilha do ABC (alfabetização) e a aprender as taboadas (adição, subtração, multiplicação e divisão). Isso nos primeiros anos de escola, mas no ginásio ou faculdade, jamais foi aplicado tal instrumento.

Quando fui para a escola primária pública, não se usavam mais tais métodos. Mas, lembro-me de que havia uma professora, prima distante de minha mãe, que mantinha em casa uma escola de alfabetização para as crianças da vizinhança, que ainda não estavam aptas para se matricularem na escola pública. Algumas vezes eu presenciei as crianças aprendendo a soletrar cantando as sílabas para formar as palavras. O mesmo acontecia com a taboada que era cantada, também, para ser melhor memorizada. E, ai de quem, no dia do “argumento” (avaliação oral) não tivesse na ponta da língua as palavras bem soletradas e as operações bem decoradas. Aí, a palmatória corria de mão em mão. Na época isso era aceito como um corretivo eficaz.

Entretanto, eu não concordava com o uso da palmatória. Considerava-o deprimente e humilhante, mas, confesso que gostava de ver aquelas crianças, mais ou menos umas dez, entre sete e nove anos, todas sentadas num banco enorme, cantando as sílabas e formando palavras ou repetindo as operações, oralmente, em uníssono, balançando as pernas e cantando. Era algo bonito de se ver e ouvir o som estridente e ao mesmo tempo melodioso e terno daquelas vozes infantis soletrando e cantando. Daí, uma coisa é certa, essas crianças jamais esqueciam o que aprendiam através desse método sonoro, hoje completamente obsoleto.

Aliás, essa forma lúdica e sonora de alfabetizar já era conhecida por meu pai, que nasceu no ano de 1.900 e faleceu em 1.998. Contava ele que, no sítio onde morava, nos arredores da cidade de Triunfo, sertão de Pernambuco, onde nasceu e viveu até a juventude, ele aprendeu a ler e a escrever junto com as outras crianças da roça, numa escola que funcionava sob uma grande árvore, todos sentados em troncos de outras árvores, os quais faziam as vezes de banca escolar. O método era o de soletrar cantando e ele falava com muito carinho do velho professor que o ensinou a ler e escrever.

Segundo meu pai contava, naquele tempo, o ensino, depois da alfabetização, se resumia a três etapas que correspondiam ao primeiro, ao segundo e ao terceiro livros do autor “Felisberto de Carvalho”. Gravei este nome e suponho que os três livros do referido autor, tratavam, além do ensino de textos para leitura, também de aritmética, geografia, história e conhecimentos gerais, etc., pois meu pai, apesar do pouco estudo, era uma pessoa bem esclarecida, muito inteligente, possuía uma caligrafia perfeita e gostava muito de ler.

Também, do tempo de minha mãe, que era alguns anos mais moça do que meu pai, havia em minha casa, entre inúmeros livros velhos, um do qual eu gostava sobremaneira. Tinha o título de “Chrestomathia”, como se vê, o título era em português arcaico. Tratava-se de uma antologia com muitos textos interessantes e diversificados, tais como, contos,histórias,poesias, etc. Para mim, era uma riqueza. Sempre gostei muito de ler. Lia tudo ou quase tudo o que era permitido.

Mas, aqueles eram outros tempos. Não havia a televisão para desviar a atenção e desvirtuar o espírito. Como seria bom para a humanidade se a televisão, passasse a ser, além de um veículo de comunicação e diversão, também e primordialmente, um valioso instrumento de educação! O mesmo se aplica à internet. Infelizmente não é assim e tanto a televisão quanto a internet, de modo geral, não tem sido utilizadas como instrumentos de promoção da pessoa humana, e dos princípios éticos, tão ausentes neste mundo globalizado.

Acho que me estendi demais hoje. Mas, o seu e-mail, lembrando dos tempos de academia, em Coimbra, trouxeram-me essas ternas reminiscências da minha infância e não resisti em escrevê-las.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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