Djanira Silva 30 de outubro de 2008

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A obediência me agride, me transforma em coisa. Não quero ter forma, quero ser amorfa, indefinida, imprevisível, imponderável, indescritível. Quero ser eu sem definições, sem marcas de alegria ou de tristeza sem movimentos medidos ou pensados. Quero ser vento, mar, o que é livre indiferente às ordenações das horas e da vida. Por que ser forma, desenho, modelo?
As ordens me chegam dissimuladas, encapuzadas como os verdugos e me mandam obedecer. Não posso. Conservo ainda a rebeldia que herdei no paraíso. Não posso parar para obedecer. A obediência é um semáforo de cores confusas que me deixam daltônica, cega, desenfreada.
Em qualquer parte do mundo onde exista uma partícula de mim, aí estará a rebeldia, a força contrária que me avisa do perigo. Resisto. Guardo comigo a alma transgressora.
No fundo dos abismos tua voz está presente vem de lá e sacrifica minha consciência. O algoz, o dono, a sombra se insinuam como um ladrão, um animal devorador dos restos de si mesmo, verme que espera, espera a morte para viver. Assim me sinto quando obedeço, é como se morresse digerindo minhas emoções.
Amo o pensamento livre, vagabundo, inconseqüente inconstante, irreverente e louco. Com ele viajo sem que ninguém me leve, amo sem que ninguém me abrace, me abraço a tudo que me dá prazer.
Não açoites minha alma como os ventos de agosto nem a amordaces. Não a queimes nem a envenenes com peçonha da serpente. Não vendes meus olhos para ocultar mentiras.
Passaram veredas, caminhos, estradas estreitas, passaram estrelas, sóis luas, palavras, soluços, abraços. Abro minhas portas, sou livre. Não preciso jogar meu riso na fraqueza alheia. Tenho no calor das mãos o suor do teu rosto. Nos movimentos do corpo a essência da tua alma. Este é o meu prazer. Juntos escrevemos fim do mundo desde o começo da vida. Vemos estrelas, o prazer nos permite.
Num grito de prazer falar sem palavras, existi morrendo e ser feliz num paraíso de transgressões.

Sobre a mesa a Bíblia, os Mandamentos, o Catecismo, o Missal, instrumentos de tortura das pessoas boas. Ai, como essas pessoas me fizeram mal. A virtude delas sempre me perseguiu pelos caminhos do mundo, destruindo a alegria de Pierrô e Colombina. Vestidos de Santos me fantasiaram de anjo, se esconderam, atrás dos breviários e sob roupas de cardeais celebraram a morte vestida no roxo da Semana Santa em nome do Pai e do Filho.

Ando à procura da minha alma mutilada, do corpo aceso maculado pelas virtudes dos fariseus.
Vou em busca da criança que não sabia da morte nem da velhice sonho borrado do tempo.
As marcas apagadas das valsas, dos versos ditos por almas leves em noites de maio, Ai, os versos, os sonhos, a vida. Liberdade para voltar, viajar nos olhos fechados pelas calçadas, voltar aos caminhos do colégio dos becos alcoviteiros, da cidade perfumada que ainda tem cheiro de pecado, de amor, de desobediência de alegria.
Os que obedeceram se negaram o direito de viver seus próprios sonhos.

Obs: Imagem enviada pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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