Arcebispo emérito de Maceió
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1968 – “o ano que não terminou”, na feliz expressão de Zuenir Ventura – foi o ano dos distúrbios de rua dos estudantes de Paris, no maio quente da Sorbonne, liderados por Daniel Cohn Bendit, que se espalharam pelo mundo todo em agitações juvenis; foi o ano da “tentativa de suicídio da América”, como disse Paul Johnson com a ofensiva do Têt no atoleiro da guerra do Vietnam; o ano do assassínio de Martin Luther King Jr. e Robert F. Kennedy. No Brasil, num triste agosto, foi o Ano do AI-5, quando o regime militar fechou o Congresso e suspendeu as garantias constitucionais de 1967.

Para a Igreja também foi um difícil ano de prova. Foi um cálice amargo, diz o Card. Francis Stafford, então sacerdote teólogo da diocese de Baltimore. Quando o Papa Paulo VI assinou em 25 de julho daquele ano a Encíclica Humanae Vitae, tornada pública quatro dias depois, sobre a regulação da natalidade, encontrou oposição imediata, premeditada e sem precedente da parte de alguns teólogos e sacerdotes norte-americanos. Jamais, na história da Igreja, o solene ensinamento de um Papa fora recebido por um grupo de líderes católicos com tanta falta de respeito e desprezo.

Em artigo recente do L`Osservatore Romano, o Cardeal Stafford, hoje Penitenciário-Mor da Santa Sé, narra detalhes de uma reunião organizada em Washington pelo Pe. Charles Curran, professor de teologia moral da “Catholic University of América” na noite de 29 de julho de 1968 A reunião foi realizada com outros nove professores de teologia da mesma Universidade, na Caldwell Hall. Mediante um acordo feito com o jornal Washington Post, o grupo recebia capítulo por capítulo da encíclica, à medida que chegavam à rotativa do jornal. Pelas 21 horas, eles haviam recebido todo o texto e depois de lido, analisado e criticado, redigiram a famosa “Declaração de consciência” em seiscentas palavras, em que rejeitavam o ensinamento pontifício. Conforme noticiou o mesmo jornal, os dez organizadores ficaram telefonando para teólogos americanos até as 3h 30 da madrugada, pedindo-lhes de incluir seus nomes como signatários, embora eles não tivessem tido oportunidade sequer de ler a Encíclica, nem mesmo a Declaração. No início de agosto, alguns dias depois da publicação da Encíclica, Francis Stafford foi convidado para uma reunião em Baltimore para discutir o documento papal. Lá, o líder da reunião apenas solicitou a assinatura de todos à “Declaração” de Washington, dando razões do tipo “manter a credibilidade da Igreja diante do público” ou “flexibilidade na formação da consciência dos cônjuges” no uso dos meios artificiais de contracepção. Não houve tempo, acentua Stafford, de debater, discutir ou rezar. Cada um tinha que responder “sim” ou “não” . Todos concordaram. Ele ficou por último e negou-se a assinar. Foi atacado violentamente e ameaçado, diziam, “em sua carreira eclesiástica” (Hoje, por ironia, quarenta anos depois, ele é Cardeal da Cúria Romana…)

A Encíclica de Paulo VI, ironicamente chamada a “encíclica da pílula” pelos seus adversários, nada fez senão reafirmar, com novos e atualizados argumentos, a tradicional doutrina cristã: a santidade do sexo cristão, gerador da vida, a fecundidade do dom do amor humano, sem uso de métodos artificiais.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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