Relendo o artigo “Cogitando Acerca da Justiça”, do escritor português, José Alberto Horta da Silva, na condição de advogada militante que sou, concordo em gênero, número e grau, com tudo o que ele escreveu sobre a Justiça. Na verdade o sentimento negativo em relação à Justiça, que nele se manifestou desde priscas eras, não é em nada diferente do sentimento do homem comum, do cidadão brasileiro, simples, leigo e cioso de justiça para os problemas que enfrenta no dia-a-dia de sua vida.

É triste constatar-se que a Justiça, desde o dia em que foi simbolicamente representada por uma mulher cega, assumiu a cegueira, tornando-se, também, lerda, tardia e esquecida do tempo, como que transportada ao “kairoz”, tempo ilimitado, não cronológico, onde inexiste hora, dia, mês, ano, ontem, hoje ou amanhã .

Ora, sendo a Justiça, instituição humana condicionada ao tempo cronológico, o “kairoz” sendo a ausência do tempo se afigura inadmissível para a justiça, tendo vista que ela necessita de celeridade, quando não de urgência, para se tornar verdadeiramente efetiva na entrega da prestação jurisdicional a quem dela necessita. Portanto, para que a justiça se torne uma realidade concreta, tem que acontecer dentro de determinados limites do tempo cronológico, a fim de que não se eternize, transformando-se numa utopia inatingível para a grande maioria dos que a buscam.

A propósito da referência ao tempo como fator importante na realização da justiça, torna-se pertinente a abordagem de um tema crucial para os profissionais que são imprescindíveis à administração da justiça, quais sejam, os advogados. Trata-se dos prazos processuais.

Em se tratando de prazos, ocorre sistematicamente na justiça, uma prática que se configura em clamorosa injustiça, porquanto, para o advogado o prazo determinado tem que ser cumprido de forma rígida e peremptória, enquanto para os juízes, muito embora a lei os obrigue, também, ao cumprimento de prazos para prolatarem suas sentenças, decisões e despachos, entretanto, via de regra, tais prazos não são obedecidos, tornando-se elásticos e intermináveis, ao sabor de cada juiz, sob justificativa de muito trabalho, de muitos processos, de poucos serventuários, de inúmeros recursos da parte dos litigantes, etc. Enfim, para o juiz toda justificativa é válida com relação à elasticidade dos prazos de sua responsabilidade. Enquanto isso, o cidadão comum fica à espera, à deriva, como um náufrago, esperando ter seu direito reconhecido ou negado, mas, efetivamente submetido a uma decisão no tempo cronológico.

Para o advogado, ao contrário do que ocorre com o juízes, o prazo é improrrogável, não admite flexibilidade nem muito menos elasticidade, a não ser em casos comprovadamente extremos e relevantes. No caso específico de contestação, por exemplo, a perda do prazo, significa, revelia, ou seja, morte certa dos argumentos do contestante, para quem só resta depois recorrer à instancia superior através de recurso de apelação, sendo, porém, considerada contra o recorrente a revelia pela perda do prazo contestatório.

De igual modo, tratando-se de recursos, também a perda do prazo é inexorável, sem chances de qualquer recuperação. Por tais razões, os prazos representam sempre, para qualquer advogado, motivos de grande preocupação e exigem um controle rigoroso na sua observância.

Como se pode constatar, a enorme desigualdade de tratamento com relação ao cumprimento dos prazos processuais, é um dos problemas enfrentados por quem se propõe a exercer a profissão de advogado. Além disso há, ainda, outro aspecto que em nada ajuda ao exercício da advocacia, pelo contrário, dificulta o trabalho do advogado. Refiro-me à postura magestática de alguns juízes que se sentem e agem como se fossem uma casta superior, pairando num limbo inacessível ao comum dos mortais, inclusive aos advogados, em que pese não serem estes, nem legalmente, nem hierarquicamente subordinados aos juízes. Entretanto, na prática, é como se assim o fossem, levando grande parte dos advogados a demonstrar uma atitude de subserviência perante o magistrado, por temor de verem os seus processos paralisados e mantidos nos recônditos sítios do “para sempre”. Ou, em outra hipótese, para evitar constrangimento público e prejuízo ao representado, face à atitude autoritária e até arbitrária por parte de juízes. Nesse ponto, posso falar de cátedra, pois, presenciei algumas vezes, em audiências, tal conduta, que deveria ser inaceitável pelos advogados.

E assim, segue a Justiça, deixando de exercer sua função primordial em tempo hábil ou retardando, indefinidamente, a entrega da prestação jurisdicional a que têm direito os cidadãos que a procuram porque dela necessitam. Por isso e com razão, já dizia um grande jurista brasileiro, autor do Código Civil de 1904, o douto Rui Barbosa: “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. (Conhecido como o “Águia de Haia”, no século passado, representou o Brasil em conferência internacional naquela cidade holandesa, tendo se destacado entre os membros das nações presentes, por sua erudição e por se expressar em diversos idiomas, além do português).

Infelizmente, não sabemos até quando, a Justiça continuará na modorra com que vem se arrastando, caso em que se aplica a famosa interrogação de Cícero, discursando no senado de Roma contra Catilina, o conspirador da República: “Quo usque tandem, abutere, Catilina, patientia nostra?”. (Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?). Fiz esta citação porque gosto muito do latim, e de vez em quando, lembro-me de algumas frases e até de orações e cantos da missa, guardados na memória, do tempo em que que estudei latim no curso ginasial, Assim, tendo a língua portuguesa se originado do latim vulgar, será que o latim clássico a teria parido mais bela? Não creio e não importa, pois, o idioma português, independente de ter sua raiz do latim vulgar, é para mim especial e precioso, porque é a língua materna e faz parte de tudo o que chamamos pátria. Por isso, orgulho-me de poder falar a língua portuguesa, tal como ela é falada no Brasil atual, cinco séculos depois de ter sido transplantada e enxertada com as falas indígenas e africanas, que a fizeram brotar bela e primorosa em sonoridade, agradável de se falar e de se ouvir e com características e formas próprias de cada região, mas mantendo sua identidade como sinal de unidade deste vasto continente chamado Brasil, onde duzentos milhões de pessoas, do Oiapoque ao Chuí, do Pantanal aos “mares bravios”, se expressam e se entendem falando esse diversificado, porém único idioma. Isso é fantástico e poucos países têm esse privilégio.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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