Djanira Silva 25 de setembro de 2008

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Negou-me a última palavra, quando, naquela noite, seu mundo parou em silêncio. Nenhum som. Nada que me alertasse, dissesse, “estou indo”.
Sobre a mesa, os óculos, a caneta, o livro, o caderno. Junto à cadeira onde ele sentara pela última vez, os chinelos, a desarrumação do imprevisto.
A mesma sala de ontem, já não era a mesma hoje, nem eu, nem nada mais seria o mesmo.
Sentiria falta da presença amiga, quieta, sincera, silenciosa. Nada mais. O silêncio, de tanto ouvi-lo, se instalara dentro de mim. Dele, certamente, não sentiria falta, era a presença forte que tornava invisível.
– “Sim”, fora a palavra que começara tudo.
As que ouvira há pouco, de lábios estranhos, colocaram um lacre de eternidade num silêncio que me perseguiria ainda, por muitos séculos.
Voltei. Senti a presença que nunca fora diferente da que era agora. Seus olhos, a doçura que neles havia, o carinho com que me olhavam continuariam me seguindo, falando uma linguagem que eu nunca aprendera. Eu precisava da palavra, do afeto pronunciado, do amor proclamado. Precisava ouvir “Te amo”.
Quando suas mãos me acariciavam, o silêncio continuava lá como uma barreira que eu não conseguia transpor. Por que me negava a palavra? Por que não a entregava viva, alegra ou triste, mas a palavra, eu a queria para saber do som como sei da música. Nele, exceto o silêncio, eu amava tudo, o calor do abraço, a força do olhar, o som da respiração ofegante, o desejo.
Quando voltei, nada mudara. O silêncio que eu não soubera entender, não saíra de lá. Presentes estavam, as mãos impacientes que me falavam de amor, os olhos que me desejavam sempre que me olhavam e sem que eu percebesse, me haviam dito e diriam, ainda, por muitos séculos tudo quanto eu nunca soubera entender.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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