Das Boas Mortes a S. Bartolomeu de Maragojipe.

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Sim, as Boas Mortes estão no plural porque estou me referindo às celebrações tradicionais, e já consagradas pela mídia, relacionadas com Cachoeira. Mas há também a Irmandade de S. Gonçalo dos Campos, que não tem ainda visibilidade na imprensa, mas que é realizada com muito empenho dos componentes – lá há a característica da presença de homens e mulheres como integrantes da Irmandade.

O dia principal da festa em Cachoeira, que é o 15 de agosto, começou com a presença do Governador entregando a Igreja da Conceição do Monte à Irmandade. Naquela ocasião, falou o presidente da Irmandade, Isaac Tito, agradecendo a restauração do templo mas solicitando que o trabalho interno de restauração dos altares prossiga, o que foi prometido. Mas para a Missa solene das 10:00h, o governador não pode estar presente – foi representado pelos secretários da Cultura, do Turismo e a nova Secretária da Reparação Racial.

A cidade de Cachoeira está ficando pequena, pois os turistas acorrem até do exterior. Na pregação foi salientado que a devoção a Maria na História da Igreja, não corresponde a um mero sentimentalismo. Mas está no coração da fé dos primeiros dias do cristianismo. Os integrantes da Igreja Primitiva sempre acreditaram que Maria não teve o corpo corrompido como todo mortal. Mas ela teria “adormecido na terra para abrir os olhos no céu”. Assim, há a crença de que ela foi elevada, assunta aos céus. Ela seria a primeira a acompanhar o destino do seu Filho ressuscitado. Há ao lado do Jardim das Oliveiras uma pequena capela chamada da “Dormição”, local que se crê que seria onde ela adormeceu e foi elevada. É curioso que não há na história da Igreja Católica nenhum culto relacionado com as relíquias de Maria – na Idade Média essa devoção cresce de forma quase exagerada, mas não com relação à Mãe de Cristo.

A tradição da teologia católica mostra que o culto em louvor a Maria tem seus fundamentos nos Evangelhos, portanto , na Bíblia. Ela é saudada como a “Ave Maria”, que é a palavra do anjo; depois vem a “bendita entre as mulheres”, louvor que sai da boca de Isabel, mãe de João Batista. Maria fala pouco nos evangelhos, mas o que diz é determinante, como, por exemplo nas Bodas de Cana, ela diz :”Fazei tudo o que Ele vos disser”.

A Boa Morte de Cachoeira traduz e conserva toda essa crença e devoção.
A de S. Gonçalo dos Campos, na visão de muitos, certamente, é fruto da migração da primeira, pois essa cidade foi Distrito de Cachoeira durante muito tempo. O intercâmbio entre as pessoas foi freqüente, e, especialmente, aqueles relacionados à devoção. Lá a missa festiva foi no domingo, 17/08. Há um cortejo que chega à igreja, acompanhado de uma banda musical. As irmãs trazem em procissão uma pequena imagem de Maria no féretro, os livros das atas e uma cruz portada pela Juíza da festa, que esse ano foi a senhora Martina Cazumbá. Essa família é detentora e mantenedora dessa tradição mariana na cidade, tanto que D. Martina é a presidente vitalícia. Conforme a tradição, ela substitui a própria mãe, Maria Tomázia Felícia, que já substituiu a avó, Maria Bilô Felícia. Depois da missa, é servido um grande almoço e todos os que estão na celebração são convidados.

A dimensão do alimento está presente em muitas festas religiosas, seja das tradições católicas como de outras concepções religiosas. No candomblé, isso é uma tônica muito forte, tanto que Raul Lody escreveu o célebre livro intitulado “Santo Também Come”.

Mas o mês de agosto é uma moldura no Recôncavo para uma outra importante festa religiosa. É a celebração de S. Bartolomeu em Maragojipe. Pe. Sadoc diz que “a procissão de lá é a maior do Recôncavo”. De fato, a multidão presente oscila entre 12 e 15 mil participantes. Há uma Irmandade que abriga essa devoção, e que existe desde 1851.

Tudo na cidade cheira a História. Freqüentemente encontramos as datas das casas expostas às portas de entrada das moradias : 1875, 1886, e assim por diante. A cidade foi sede de muitas Irmandades hoje desaparecidas, mas ainda há muitas em pleno funcionamento. A do Santíssimo Sacramento foi fundada em 31/01/1700; a de Nossa Senhora da Conceição é de 1704; a das Almas Benditas é de 1667. A Igreja Matriz foi construída entre os anos de 1630 a 1753. O nome do Patrono, conforme a tradição, foi dado em homenagem ao proprietário da Sesmaria, Bartolomeu Gato.

Nessa cidade, encontrei vestígios da Irmandade da Boa Morte. O professor Cid Teixeira sempre disse que no Recôncavo houve dezenas delas. Conversando com pessoas interessadas na história daquela cidade, descobri duas gravuras. Uma é do final do século XIX, mas a outra é uma litogravura com data de 1879 e que diz :”Nossa Senhora da Boa Morte que se venera na cidade de Maragojipe”. De fato, cada 15 de agosto, mesmo sem Irmandade, a imagem no sarcófago é colocada no centro da igreja, vestida com muita dignidade, e endossando sapatos de prata. É, até os nossos dias, objeto de veneração dos fiéis.

O povo de Maragojipe, o Pároco Pe. Reginaldo Morais, os paroquianos, estão de parabéns por mais uma festa do Padroeiro que se realizará no próximo domingo.

*Professor Adjunto de Antropologia da UNEB, da Faculdade 2 de Julho e da Cairu. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, da Academia Mater Salvatoris, Sócio da Associação Nacional de Interpretação do Patrimônio, Sócio Efetivo do Instituto Genealógico.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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