Todos os dias a mesma cena se repete naquela parada de ônibus: restos de cobertores, pedaços de plástico e um travesseiro sujo jogados no chão, deram abrigo e aqueceram durante a noite fria àquele corpo sem nome, sem casa, de sexo feminino.
A casa de espera dos transeuntes transformastes na tua casa. Sem alvará, sem reforma agrária, toma posse soberana. A placa de identificação é teu cheiro: cheiro de pobreza, cheiro de abandono, cheiro de maldição, cheiro de desprezo e abandono. Nesta casa sem paredes, nem divisórias, sem imposto e eletrificação, circulas na mais plena liberdade. Quarto de dormir, sala de estar, cozinha, banheiro, é tudo a mesma coisa. Controlas o tempo com as advertências das necessidades biológicas.
Os puritanos ficam horrorizados com o aspecto original da arquitetura da tua casa: folhas secas, caixas de papelão, vidros vazios, revistas espedaçadas, restos de comida, pedaço de pente, flores muchas, cordões. E para dá um toque de religiosidade um crucifixo quebrado. Muitos passam e só vêem sujeira. Por que limpá-la se a sociedade fez esta grande sujeira na tua vida? Está suja é o seu estigma decorativo e denunciador da mais nova estética revolucionário. Porque ali está codificado a revolta, a contradição de uma sociedade desnivelada: homens e mulheres vivos, homens e mulheres quase vivos, homens e mulheres mortos-vivos.
Tua geladeira foi ultimamente padronizada: veste preto e escancara a boca para o céu. Semanalmente é trocada e reciclada. Poucos dela se aproximam. Ninguém deseja roubá-la.
É impressionante observar: ninguém pergunta o teu nome, de onde vens e para onde vais. Muita gente fica incomodada com a tua presença, porque estás sujando a grande e bela cidade de pedras polidas e cheirosa. Há que implore o teu extermínio indicando até como aproveitar a tua carcaça indigente.
Há também aqueles que te chama de louca desvairada.
Tua casa em tão pouco tempo corre o risco de se tornar casa de muitos mais.