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Uma mulher que vivia sozinha resolveu comprar um gatinho. Ao entrar na loja, não teve dúvidas, levou para casa o gatinho mais bonito dentre todos: branco com uma mancha preta no nariz. Com o tempo a mulher foi se apegando ao bichinho e este preenchia sua vida solitária. Certo dia, o gatinho descobriu como era confortável a cama da mulher e desde então a ocupava no período da tarde. A mulher achou aquilo o máximo e foi permitindo que o gatinho fizesse a sesta em sua cama. O tempo foi passando e o bichinho passou a usar a cama da mulher também à noite. Todas as manhãs, a mulher penteava o pelo do gatinho e colocava em seu pescoço uma fita azul. Ela o alimentava com carne de ótima qualidade, fígado, ovos e peixes. O bichinho foi crescendo e tornou-se um gato enorme que arranhava quando não recebia o que desejava. Mas a mulher achava engraçadinho o comportamento do gato, e continuava a permitir que ele dormisse em sua cama. O felino foi se tornando cada vez maior e mais gordo e continuava a receber do bom e do melhor. No café da manhã consumia um litro de leite com vitamina, nas outras refeições comia cinco bifes empanados e fritos. Os cuidados com o gato ocupavam tanto o tempo da mulher que ela foi se descuidando de si própria. Com o tempo a mulher tornava-se cada vez mais magra, enquanto o gato cada vez mais gordo. Finalmente, o felino tinha a aparência de um pequeno bezerro, dormia sozinho na cama e a mulher tinha que se contentar com o tapete do chão. Nós, seres humanos, criamos todo o nosso universo. Não somente no sentido de que transformamos materialmente todas as coisas, mas também no sentido de que estabelecemos valores sobre elas, determinamos uma hierarquia de importância e assim organizamos todo o mundo de acordo com nossos interesses. “As coisas não mudam; nós é que mudamos” (Henry Thoreau). Assim, o universo se manifesta de acordo com a compreensão e perspectiva humana, o que faz com que o homem venha a classificar determinada manifestação natural como boa ou ruim, destrutiva ou construtiva. Se um dia a espécie humana vier a se extinguir por completo este universo que temos também desaparecerá pois deixará de ter o conteúdo que lhe damos. Caso venha a surgir outra forma inteligente de vida, esta irá reestruturar o mundo de acordo com suas necessidades de sobrevivência. Enquanto isso não acontece, o universo continuará a ser um universo humano, ou seja, um cosmos no qual determinamos o seu conteúdo. Assim, denominamos todas as coisas que desejamos, que almejamos, como boas. Ruins são todas aquelas que procuramos evitar. É claro que Aristóteles tinha razão ao conceituar um bem como aquilo que buscamos.

O universo humano seria regido pela tranqüilidade se não fosse por um único motivo: nenhum ser humano é igual ao outro. Apesar da cultura, da mentalidade ou do contexto histórico que unificam grupos, gerações e períodos, encontramos uma rica diversidade na espécie humana. Os seres humanos possuem interesses, visões de mundo que não são iguais e, portanto, buscam e evitam diferentes coisas em suas vidas. Assim, existem muitas coisas que são boas para alguns e ao mesmo tempo ruins para outros. A valoração, ou seja, a determinação do conteúdo das coisas que vemos e sentimos possui grande relatividade dependendo de quem as deseja ou de quem as evita. Sem dúvida alguma, podemos encontrar coisas que são boas para todas as pessoas, ou seja, universalmente boas. A saúde constitui-se em um bom exemplo. Mas, mesmo sendo universal, a saúde possui também sua relatividade quando nos perguntamos sobre sua descrição, sobre seu significado concreto. Portanto, não podemos falar de algo que possua um valor absoluto. O bom e o ruim dependem das circunstâncias que vivemos, do nosso contexto histórico e do momento particular de nossas vidas. Thomas Hobbes nos lembra que o bom está sempre condicionado à pessoa, lugar e tempo. Determinada coisa agrada a alguém neste determinado lugar e talvez venha a desagradá-lo, neste mesmo lugar, em um outro determinado tempo. Muitas vezes enxergamos em certas coisas o princípio do mal e mais tarde descobrimos que elas não passavam de coisas sem grande sentido. “Na maioria das vezes, um pepino é somente um pepino” (Freud). A relatividade do universo humano exige maturidade para avaliar o que é, neste momento da vida, certo ou errado, bom ou ruim. Para esta maturidade é necessário a consciência de que o único critério de avaliação é a nossa qualidade de vida; como também é necessário grande flexibilidade para compreender que o condenável de agora pode ser o desejável do futuro. “A sabedoria própria dos sábios consiste em uma extraordinária dose de bom senso” (Reitor W.R. Inge)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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