Paula Barros 12 de agosto de 2008


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Ele tinha os olhos azuis. Um azul da cor do céu em dia ensolarado e sem nuvem. Do céu do meu Nordeste. Ficava olhando para aqueles olhos do homem alto, esguio e sereno. Será que ele vê tudo azul? De que cor ele me vê?

Não lembro se ele falava. Lembro tão pouco dele. Os olhos eram distantes, ele era distante. Os olhos talvez tivessem a secura e a tristeza do sertão. Não sei se andava ou se carregava o peso de uma vida sem entusiasmo. Lembrei do cágado que ele criava, tão silencioso e carrancudo, quanto ele. Talvez fosse feito aquele animal, carregava a casa nas costas, andando lentamente e a cabeça voltada para o chão.

Nos domingos o encontrávamos na garagem, um pouco fechada, um pouco aberta, escura. Sempre queria saber o que fazia ali. Faz tanto tempo, que se vi algo ou se me responderam não lembro. Carinho, beijo e sorriso não faziam parte do universo dele. Fumava, disso lembro. Jogava o resto do cigarro pela janela e eu brincava fazendo de conta que fumava.

De que cor enxergava o mundo, a vida, os amores, com aqueles olhos azuis? Um dia chegou a notícia, morreu. Não sei o que senti. Talvez fiquei triste de ver o filho dele triste, sentado num canto do terraço, com as luzes apagadas. Pensando, sem eu saber o quê. Sentindo, sem expressar. Só o silêncio.

Às vezes penso que a morte fez ele andar livremente. Os olhos azuis sorrirem aliviados. E sentir a vida mais leve e colorida.

17.04.08

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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