Em uma das cenas de “O Senhor dos Anéis: As Duas Torres”, a sobrinha do rei de Rohan manuseia sua espada quando é bruscamente interrompida por Aragorn. Deste encontro desenvolve-se um pequeno diálogo sobre a morte, medo e força. A jovem deixa claro que não teme a morte e por isso está disposta a lutar pela felicidade de seu povo. Admirado com a coragem e a determinação da jovem, Aragorn pergunta-lhe se existe algo que lhe causa medo, se há algo que ela, verdadeiramente, teme em sua vida. A jovem do reino Rohan responde taxativamente: “Uma gaiola!”
Existem situações em nossas vidas que bloqueiam nosso desenvolvimento, nos deixam dependentes de coisas ou pessoas e nos causam a quase nítida sensação de falta de ar. É como se estivéssemos presos, amarrados, fechados em grades, verdadeiramente engaiolados. No diálogo criado por J.R.R. Tolkien, a sobrinha do rei de Rohan expressa seu medo diante de situações as quais batiza com o nome de “gaiola”. Uma excelente metáfora para tudo aquilo que faz nossa vida entrar num marasmo, em uma estagnação, a gaiola simboliza, na obra de Tolkien, situações que podem nos tirar a autonomia e a liberdade. Existe uma diversidade enorme de elementos em nossa vida que podem se tornar verdadeiras “gaiolas”: sentimentos, lugares, pessoas, nosso próprio ego, negócios, relacionamentos, divertimentos, empregos e até mesmo religiões. O apego excessivo a determinada pessoa ou lugar, a negligência, a fuga dos problemas do cotidiano, o medo do futuro e da vida, enfim, os motivos são muitos que nos levam à condição de engaiolados. Graças a eles, deixamos de desenvolver nossas potencialidades, reduzimos nossa vida a um espaço pequeno e atingimos uma realização medíocre de nossos sonhos. Justamente esta é a pior situação de quem vive em uma gaiola, o platonismo. Quem está na condição de engaiolado, sonha com uma outra vida e corre o risco de se satisfazer somente com a realidade imaginativa. Quem tem medo de se aventurar em um relacionamento e vive na solidão, sonha com o aparecimento de um grande amor em sua vida, quem está em uma relação frustrante sonha em viver a liberdade de ser “Single”, e existem aqueles que, devido a concepções religiosas, sofrem, carregando sua cruz, esperando com isso receber a recompensa na vida depois da morte. Porém, “a melhor maneira de sair é sair sempre completamente”, escreveu Robert Frost.
Toda e qualquer “gaiola” é um indício de que o ser humano perdeu sua dignidade, sua autonomia e liberdade de escolha e sua vida não se desenvolve como o desejado. É sinal de que alguém ou alguma coisa tornou-se “senhor” de sua vida. Reverter ou não esta dependência ou relação doentia, libertar-se ou não da gaiola depende do grau de sagacidade e de determinação do engaiolado, daquele que está nas amarras de alguma situação ou pessoa. A inveja pode levar uma pessoa à amargura. Porém, esta gaiola pode ser rompida se a pessoa inverter este sentimento em uma decisão de produzir algo de bom, desenvolvendo sua vida igual ou melhor à da pessoa invejada. A arte de viver está em se fazer bom uso de nossas adversidades, disse certa vez Montaigne. Aquele que se encontra em uma gaiola deve procurar utilizar-se dela para encontrar a porta de saída. Não há outra forma de sair da gaiola do que a confrontação com suas grades, o conhecimento de sua estrutura e seus mecanismos. Ao mesmo tempo, sair da gaiola significa movimentar-se em direção à realização de seus sonhos, tirando-os da imaginação e transformando-os em realidade visível a todos. “Fica estabelecida a possibilidade de sonhar coisas impossíveis e de caminhar livremente em direção aos sonhos” (Luciano Luppi).
De qualquer forma, o caminho inicial para uma libertação da “gaiola” é a reflexão. Quando anotamos um problema ou o verbalizamos em uma conversa, permitimos que seus aspectos essenciais venham à tona. Uma vez identificado seu caráter, eliminamos se não o problema em si, pelo menos as características secundárias que o agravam: confusão, indecisão, a satisfação infértil com os sonhos… A análise sensata acalma a mente e nos prepara para futuras decisões. Quanto ao caminho a seguir não existem regras, o importante é ter consciência de que nós fazemos o caminho caminhando. Cada um sabe muito bem o quanto a sua gaiola é estreita, portanto cabe a cada um procurar descobrir o momento e a maneira correta para abrir a porta e alçar vôo. O importante é não se acomodar com a ração diária. “Ah, que ninguém me dê piedosas intenções! Ninguém me peça definições! Ninguém diga: “vem por aqui”! A minha vida é um vendaval que se soltou. É uma onda que se alevantou. É um átomo a mais que se animou… Não sei para onde vou, sei que não vou por aí”! (J. Régio).