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No Brasil, esta semana começou pela comemoração do Dia dos Pais que, mesmo com todos os seus apelos comerciais, acaba estimulando a unidade nas famílias e um maior clima de diálogo entre pais e filhos. A data passou, mas um assunto que fica para ser refletido e aprofundado é como ser pai em uma sociedade que passa por profundas transformações.

Estudos arqueológicos e pesquisas antropológicas feitas no Oriente Médio, na Turquia e na ilha de Creta, além da China, nos revelam que a maioria das civilizações antigas, organizadas antes de 8.000 anos antes da nossa era, se organizava de forma matrilinear. Isso quer dizer que a referência da sociedade era a família da mãe. Homens e mulheres conviviam em situação de maior igualdade e a propriedade da terra era comunitária. Quando se organizou a agricultura, os homens passaram a ser os chefes da família e as sociedades se tornaram patriarcais. As pesquisas mostram que as sociedades organizadas a partir de certa igualdade sexual eram sociedades mais pacificas e não conheciam a guerra. A história da humanidade passou a ser uma sucessão de guerras e conquistas, quando a sociedade se tornou patriarcal e os homens conheceram a propriedade privada (Cf. Walter Link, Engaging the Power, Discernment and Resistance in a World of Domination, Fortress Press, Minneapolis, 1992).

De fato, foram as sociedades patriarcais que geraram as diferenças de classes sociais e inventaram a escravidão, primeiramente dos inimigos conquistados nas guerras e depois de pobres endividados, escravizados para pagar dívidas.

Estas referências parecem coisas de um passado longínquo que nada têm a ver com nossa sociedade moderna. Basta alguém observar como a sociedade organiza a concorrência comercial e, nas empresas, como se estimula uma verdadeira guerra, pouco disfarçada, por vagas e postos de liderança e já poderá perceber que as raízes culturais do patriarcalismo são as mesmas. Do mesmo modo que, no plano político, as pessoas se engalfinham por cargos e muitos são capazes de vender a mãe para ser eleitos. Bush e outros líderes contemporâneos precisaram inventar guerras para recuperar melhores taxas de aprovação popular.

Em tal contexto de mundo, as nossas famílias não podiam mesmo respirar clima de diálogo mais respeitoso e tranqüilo. Por muitas razões, o modelo patriarcal não funciona mais e, por outro lado, não encontramos ainda outro estilo de relações familiares. Mães e filhos se desgastam na luta pela sobrevivência e, na maioria das vezes, os homens resolvem o problema pela ausência ou por cumprir meras obrigações econômicas.

No fundo do coração, os homens sabem que não basta ser pai biológico. Hoje, até as provetas de laboratório garantem isso, sem necessidade de presença humana. O importante e desafiador é ser pai na cotidianidade da construção de uma relação de diálogo familiar, na qual os filhos crescem precisando de referências de diálogo e apoio afetivo. Não deixa de ser sintomático saber que a média de duração dos casamentos brasileiros é de dez anos. E na maioria dos casos, o que sobrevive é uma família nuclear, constituída por mãe e filhos, onde, quase sempre, falta uma presença masculina positiva e que não seja dominadora. É claro que, neste modelo, a mulher também tem muita responsabilidade até porque muitas vezes, se apodera dos filhos de forma que não sabe delegar nem repartir responsabilidades e, apesar de sofrer e se queixar, nada faz de positivo na mudança do modelo de pai que o homem tem e pode oferecer.

As comemorações do dia dos pais nos recorda e confirma: o mundo precisa de um novo jeito de ser pai. A função paterna é necessária para o equilíbrio da família, para uma relação mais justa com a mulher, para a saúde psíquica e emocional dos filhos e para a organização de uma sociedade mais paritária e pacífica.

Apesar de que não existem escolas para isso, minha experiência é que os movimentos sociais e organizações populares têm sido palcos de discussão deste assunto e têm conseguido transformar homens e mulheres, formados na cultura patriarcal em protagonistas que ensaiam novas relações familiares e sociais. No engajamento pela justiça, no trabalho de criação artística e no compromisso com o futuro do planeta, se ensaia uma nova forma de se viver a paternidade, assim como a maternidade e as relações de cumplicidade da vida e do amor.

Pais e mães precisam sempre retomar o apelo dramático do poeta Carlos Drummond de Andrade: “Além da Terra, além do Céu/ no trampolim do sem-fim das estrelas, / no rastro dos astros,/ na magnólia das nebulosas,/ Além, muito além do sistema solar, / até onde alcançam o pensamento e o coração, / vamos!/ Vamos conjugar/ o verbo fundamental essencial,/ o verbo transcendente, acima das gramáticas, e do medo e da moeda e da política, / o verbo sempreamar, / o verbo pluriamar, / razão de ser e de viver”.

*Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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