julho de 2008.
Fazia muito tempo que o Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, vivia sob a tirania de um cartola. Neste final de semana, para atender os reclamos da torcida, limpar a imagem da agremiação ou, quem sabe, para mudar os chefes de plantão, ganhou a chapa encabeçada por Roberto Dinamite, ídolo do time e, até hoje, seu maior goleador. Quando se proclamou a vitória das urnas (ou seria do novo conchavo?), o povo que acompanhava as apurações, repetiu, com ardor, o famoso grito de guerra “hei, hei, hei, Roberto é nosso rei”!
O povo fica alegre quando muda de rei. Não sabe ele que mudar reis é uma fórmula antiga para que não se modifique a lógica dominante. A torcida, em tese a parte que mais importa, como dizem os manuais da qualidade total (?), acha que mexer uma peça é ganhar a partida. A mídia, por ignorância, por interesse e até por ideologia, nunca ajuda o povo a relembrar a experiência da “democracia corintiana”, que nos anos 70, desafiava a ditadura militar, e achou um jeito de mostrar que o mais importante em qualquer trabalho, é o elenco que joga – e que o rei, no mínimo, deveria ser um rei coletivo. (É fácil entender porque esse exemplo é sempre silenciado).
Importa à lógica da dominação que se repita o paradigma da hierarquia onde um posto de direção já não é serviço de animação, mas privilégio que confere superioridade a uma casta. Essa verdade, tantas vezes inculcada, em todos os tempos e por todos os meios, acaba virando matriz. O ideal de liberdade e de sucesso que os súditos aprendem é a postura arrogante dos soberanos, às vezes, eleitos por eles mesmos. Como na sua inferioridade não podem ser reis, (não são desafiados a ser sujeitos), a plebe se projeta em figuras oportunistas que se aproveitam para viver às suas custas. Aí, na folia de reis, não faltam reis (e rainhas, é claro!) da pamonha, da praia, da cocada preta, da voz, da juventude dos baixinhos, do futebol, do baião, da beleza, dos animais, da noite, dos traficantes, dos mares, do universo… rei dos reis!
O povo é a parte da população que se mexe, mesmo quando se cala – é a porção que se movimenta contra as diferentes formas de exploração e dominação. Essa reação que pode ser individual ou coletiva, organizada ou espontânea, violenta ou pacifica é sempre reprimida, redirecionada ou comprada. No geral, a turba é silenciada ou é convencida pelas balas de açúcar do consenso porque ela não chega à consciência de sua dignidade, por si só, nem descobre as raízes da injustiça. Por isso, a missão de profeta, de educador e de pastor é, certamente, assoprar a indignação que ainda fumega nesse povo e adverti-los que entre eles não deve ser assim, pois, “autoridade” serve, não pisa sobre os outros.
Seria ingênuo achar que, numa sociedade complexa, tudo se decida por consulta permanente ou representação direta. Menos ainda com um povo que, durante quase 400 anos, absorveu a mentalidade de escravo e se rebaixa diante de senhores e de metrópoles. Essa obediência de colonizado nos leva a preferir o queijo, a manteiga, a pimenta do reino e o bolo de reis… do que valorizar a banana e a laranja da terra que são pratas da casa. Torna-se trágico quando o comportamento ou o estilo de governar dos debaixo decalca os modos da nobreza nos espaços de governo, organizações populares, pastorais, conventos, favelas… O poder é um instrumento indispensável para organizar a vida e estimular a realização das pessoas. O desafio permanente será com-ordenar sem autoritarismo, com-duzir sem manipulação, com-mandar repartindo o poder e dirigir obedecendo ao coletivo, acima de vaidades e caprichos individuais.