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Visitando Buenos Aires, fiquei encantado com a cidade, seu conjunto arquitetônico, os grandes e múltiplos parques. Não se pode deixar de concluir que ela é eminentemente européia na sua expressão física e no biotipo da maioria dos seus habitantes. A arquitetura lembra muito, e certamente, é cópia da de Paris. Os sobrados, solares, verdadeiros palácios, são encimados por ardósia ( ou algum material que a ela se assemelhe). De qualquer forma, isso significa um apogeu econômico quando foram construídos. A guia nos informou que muitas famílias, viajando à Europa, no século XIX, Paris, Barcelona, cidades da Itália, de lá tiraram inspiração para aquela arquitetura que dá às avenidas um ar de ” boulevard ” , ainda enriquecida pela presença de inumeráveis plátanos. Há o famoso café Tortoni, do 1858, que é um dos pontos que não se pode deixar de visitar, e nesse período de férias, temos que esperar na fila ( e no frio) para podermos ter acesso – mas entrando lá, vemos que vale a pena ter esperado.

O povo argentino é conhecido pelo quase fanatismo relacionado ao futebol – e daí vêm as nossas controvérsias. A guia disse que não poderia deixar de nos mostrar o estádio do Bocca Junior, que está ao lado do bairro ocupado pelos italianos imigrantes, onde Maradona é rei. Na área chamada “Caminito” há uma concentração das antigas moradias ocupadas por eles e que hoje, todas pintadas e coloridas ( é um pequeno Pelourinho), são apresentadas como um dos “points” turísticos.

De qualquer forma, o argentino – pelo menos o que vi em Buenos Aires – tem um espírito de reivindicação que nos faz inveja. Todos os dias havia alguma manifestação, seja na Casa Rosada como no Congresso, alem de manifestações pelas ruas e avenidas.
Na Praça de Maio ocupa um lugar de destaque a Catedral que tem como Padroeiro a própria Santíssima Trindade. Lá encontra-se o mausoléu de San Martin, o herói libertador da Pátria. Ele, em 25 de maio de 1810, já elaborou os primeiros passos para a independência, pois o povo não aceitava ficar sob o jugo de Napoleão que dominava a Espanha – diziam que já não aceitavam um rei espanhol e muito menos, agora, um francês. As idéias libertárias se consolidaram no dia 9 de julho de 1916 – é um dia de feriado e corresponde ao nosso 7 de Setembro. Mas estranhei por não presenciar desfiles e paradas militares. Mas me responderam que como o povo já está muito desiludido com os políticos, não haveria público para aplaudir essas festas cívicas – por isso, o dia é apenas um feriado nacional.

Perguntando sobre qual o título mariano que prevalece na cidade e no país, fui informado sobre a devoção a Nossa Senhora de Lujan, que fica a uns 70 km fora de Buenos Aires e que é o santuário nacional ( como aqui é Aparecida).

Apesar das inevitáveis divergências no futebol, há algo muito em comum entre esse país e o Brasil,na origem dessa devoção. E fui lá, com minha mãe, para conhecer esse santuário.
A história está contada num grande painel localizado ao lado do altar-mor na basílica, que é neo-gótica e que imita, em proporções bem menores, a Notre Dame de Paris- foi construída em 1896.

Tudo começou em 1630, quando um fazendeiro português, que lá morava, quis ter na sua casa de campo uma imagem de Nossa Senhora. Nessa época estava em voga a confecção de imagem em terracota em S. Paulo. Há várias imagens desse material e mais ou menos nesse estilo, nessa época. A maioria veio de Portugal no século XVII. Mas, aos poucos, os artistas surgiram no Brasil Temos os grandes representantes dessa época que são Frei Agostinho da Piedade, Frei Agostinho de Jesus e Domingos Conceição da Silva. Há exemplares desses três artistas em S. Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Olinda.

Esse fazendeiro português que possuía terras em Summampa encomendou em S.Paulo uma imagem de Nossa Senhora , para ser colocada em sua casa. As imagens foram enviadas em carros de boi. Ao cabo de dois dias elas já estavam nas terras do referido senhor, isto é, às margens do rio Lujan. O fato inusitado é que a carroça que transportava as imagens e outros objetos, antes de chegar ao seu destino, não conseguia avançar. Tiraram todas as caixas e as cargas em geral. Logo a carroça se movia, mas quando as cargas eram colocadas, repetia-se o fato. Isso aconteceu várias vezes. Foram retirando os pacotes um a um. Perceberam que quando, precisamente, um deles fora retirado, a carroça se movia, mas se era novamente colocado, ela emperrava. Ao abrirem o pacote, descobriram que era exatamente a imagem de Maria. Logo perceberam que a Mãe queria ficar ali naquele local. O texto no santuário diz que “assim se produziu o milagre de Lujan : Maria havia decidido onde queria permanecer para receber seus filhos e escutar suas súplicas”.

Dessa forma, o santuário oficial da Argentina é muito visitado, é lugar de peregrinação e, sem falsos nacionalismos de nossa parte, mas, talvez, para mostrar que Maria é a Mãe de todos, os nossos vizinhos argentinos têm como Padroeira, uma imagem brasileira que até lembra a nossa de Aparecida, pois é negra, pequena e tem o mesmo manto. Conforme a história lida lá, por trás do manto há um revestimento de prata para melhor preservá-la.
Dessa forma, Maria está presente no coração do povo argentino como aquela que foi dada a João Evangelista como a Mãe de todos :”Filho eis tua Mãe, Mãe eis o teu filho”. Para o evangelista João, Maria é um dom de Deus aos homens e mulheres de todos os tempos e lugares e que personaliza a própria Igreja que deve ser um abrigo de todos, sobretudo dos mais necessitados.

*Professor Adjunto de Antropologia da Uneb, da Faculdade 2 de Julho, da Cairu. Membro do IGHB, da Academia Mater Salvatoris, da Associação Nacional de Interpretação do Patrimônio e do Instituto Genealógico.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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