Djanira Silva 28 de agosto de 2008

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A forma como chegou, a maneira de sentar, a atenção com que acompanhou a primeira aula, chamou minha atenção.
Pequena, calada tranqüila. Embaixo do braço a pasta preta. Agendas e pastas, cheias de papéis sempre me deixavam curiosa.
Durante as aulas fazia perguntas sempre oportunas. Não tecia comentários desnecessários, não desperdiçava palavras.
Ao apresentar seu primeiro na Oficina Literária, não foi difícil perceber que era inteligente e culta.
A pasta preta me intrigava. O que haveria dentro dela? Apenas papéis? E se fosse, o que estaria escrito neles? O esboço de um romance? De um conto? Bilhetes, cartas? Afinal, seu conteúdo que eu não conhecia, dava-lhe força e personalidade tornando-a cruel.
Tentei observar outros detalhes: os livros que ela lia, as roupas que usava, a maneira de se pentear. Não conseguia, a pasta me distraia, prendia-me a atenção. Dos livros não lia sequer os títulos as roupas que usava, não me interessavam, menos ainda a forma como penteava os cabelos. Era uma tortura e ao mesmo tempo um prazer este exercício de curiosidade.
– “Seria professora?”
Então eu a via, miúda, tímida, diante de alunos talvez mais velhos do que ela, afoitos, menos inteligentes.
– “Seria casada? Com que tipo de homem? E se não tivesse alguém?” Senti sua solidão.
Fisicamente, estava ali, pequena, calada, responsável. Só isto, nada mais. Criei momentos, situações, características, emprestei-lhe sentimentos.
Personalidade mesmo, tinha a pasta. Entrara na minha vida, tomara conta do meu pensamento, desfiara minha curiosidade, tomando-me o tempo, estragando-me as aulas.
Aonde quer que ela fosse a pasta ia também. Fazia parte do seu todo. Não combinava com seus vestidos nem tinha nada a ver com seus sapatos, mas completava sua imagem.
Os livros que trazia não me pareciam importantes, nem sempre eram os mesmos. A pasta era. Deles tirava informações, com elas se alimentava tornava-se importante, mandava neles.
Pensei em me aproximar e perguntar se estava preparando algum trabalho, afinal, participávamos de uma Oficina Literária e nada mais natural que depois de tantas pesquisas, das excelentes aulas que tivéramos, das anotações acumuladas, saísse um romance, ou mesmo um conto.
Porém, tive medo, não de desagradá-la mas de ser privada do mistério da pasta. Não me revelasse o que havia nela. Eu não queria saber.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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