O termo iniciação tem diferentes aspectos e também vários campos de aplicação. Descobrimos que o processo de iniciação permanece uma realidade presente na sociedade contemporânea, mesmo se isso não é nela plenamente visível, à primeira vista. Ela corresponde a novas buscas, a novas expectativas que estão presentes nessa sociedade. O que entendemos por iniciação?

Podemos citar três usos do termo iniciação:
1º – Na sua origem, o termo diz respeito aos “mistérios” gregos e romanos. A pessoa passa por uma experiência religiosa que transforma seu ser e que lhe dá acesso à salvação. Os iniciados têm acesso aos “mistérios secretos” através de ritos. Entrar nesses “mistérios” é renovar a existência. Também existe o aspecto de integração ao grupo dos iniciados.

2º – Há também um outro aspecto que é o da cultura e religião. Nas sociedades e religiões primitivas, tradicionais, as crianças, chegando à puberdade, são introduzidas no mundo dos adultos através de provas, ritos e ensinamentos orais. Essa iniciação tem como fim modificar radicalmente a condição social e religiosa da pessoa iniciada.

3º – Enfim, num sentido mais atual, independentemente de todo contexto religioso, fala-se de iniciação para designar o processo de aprendizagem e de socialização. Nesse caso, iniciação significa uma introdução progressiva, seja ao conhecimento de uma teoria, de uma doutrina, seja à prática de uma técnica, de uma disciplina, de um ofício. Nesse sentido, a iniciação tem um âmbito restrito: pode-se ser iniciado em pintura, em informática, em matemática. Num sentido mais largo, fala-se igualmente de iniciação para significar o processo pelo qual uma pessoa aprende a se apropriar existencialmente das normas, dos valores, dos comportamentos, das atitudes e dos hábitos de um grupo social. Ela não se limita àquilo que se entende por educação ou formação. Ela toca na pessoa, no seu ser, na sua maneira de ser. Por isso ela é mais que a simples aprendizagem de uma técnica ou de um saber.

A iniciação é expressão privilegiada do drama da existência. Ela é o protótipo mesmo do percurso da morte à vida. Ela é inerente à condição humana. Habita todo o homem e estrutura sua personalidade profunda. Ela se encontra ancorada solidamente no mais profundo do imaginário humano, do indivíduo e dos grupos. Não nos espantamos ao encontrá-la em múltiplos domínios, sobretudo na nossa época em que o corpo social, no seu conjunto, está em mutação permanente.
Através da passagem ritual de iniciação, está em jogo uma busca de identidade. Não se trata somente de adquirir conhecimentos intelectuais e de técnicas de aprendizagem para viver. Mais profundamente, o ser humano tem necessidade de um saber-ser. Deseja se conhecer e se situar na sociedade. Para ser reconhecido, ele deve aceder a um certo status social, que implica em instâncias, isto é, numa identidade existencial, numa identidade familiar e numa identidade social (como me integrar no grupo?).

Cada iniciado é conduzido a tomar posição e a trabalhar o campo de suas relações. Podem-se distinguir as relações primárias fundadas sobre as diferenças biológicas de sexo: homem/mulher; de idade: velho/novo; de pertença étnica: estrangeiro/autóctone; e também dominante/dominado (relações construídas a partir da repartição das riquezas, do poder, do saber).

A escola e a família que são objetos da mais forte institucionalização social, são cada vez mais concorridas por instâncias de socialização, deixando grande espaço para aquilo que se poderia chamar de iniciação informal.

Será que os ritos de passagem hoje desapareceram ou se transformaram? Numa sociedade que evolui rapidamente, como a nossa, os ritos organizados num período anterior, tornam-se logo velhos, ultrapassados.
Mas, apesar de uma crise de iniciação que marca nossa sociedade, pode-se dizer que há uma persistência do processo iniciático sob formas não institucionalizadas: a primeira comunhão, a comunhão solene (presente em muitos países da Europa), os retiros, o escotismo, os 15 anos, o vestibular, etc. O etnólogo Pasquier diz que o processo iniciático de nossa sociedade continua a desafiar o nosso imaginário coletivo. Na verdade, ele não é mais institucionalizado. Todavia, muitas vezes faz nascer uma procura espiritual determinada, desligada das formas iniciáticas estabelecidas e conhecidas.

* Professor Adjunto de Antropologia da UNEB, da Faculdade 2 de Julho e da Cairu. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, da Academia Mater Salvatoris, Sócio da Associação Nacional de Interpretação do Patrimônio, Sócio Efetivo do Instituto Genealógico.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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