Marcelo Barros 15 de julho de 2008


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A ONU consagrou o 15 de julho como o Dia Internacional da Família. A proposta é valorizar as relações familiares que, no mundo inteiro, parecem em crise. De fato, não chegaremos a estabelecer sociedades justas e de paz se não dermos maior atenção às relações familiares.

A crise que envolve a família tem suas causas em diversos fatores sociais e culturais, principalmente, nas grandes e rápidas transformações que as sociedades urbanas têm vivido.

A família brasileira ganhou sua atual estrutura na história da colonização. A sociedade européia trouxe o modelo patriarcal de família. Culturas indígenas, mesmo com certos traços patriarcais, dividem de outra forma os papéis do homem e da mulher na sociedade. Assim, contribuíram com certos aspectos de sensibilidade mais matriarcal.

Mesmo se, com toda a razão, a mulher não aceita mais ficar restrita aos trabalhos domésticos, quase em todo o país, as pessoas ainda se referem mais à “casa de minha mãe” do que “do meu pai”. Em bairros de periferia e nas camadas mais empobrecidas do povo, é freqüente o modelo de família matrifocal, na qual, o pai só está presente, quando está, como genitor e não como pai ou mesmo marido. Em muitos casos, nem existe uma figura masculina estável e permanente. Infelizmente, mesmo nesta situação, a família não se torna menos autoritária. Mesmo se é a mulher que, sozinha, dirige a casa, nem por isso os valores familiares se tornam menos patriarcais e autoritários. Um bom número de “meninos de rua” tem casa e família, mas prefere a rua porque em família o ambiente é de violência, maus tratos e incompreensão.

As Igrejas desenvolvem trabalhos pastorais que criticam o divórcio, condenam o aborto e propugnam a continuidade da família monogâmica e estável. A fé cristã crê que o matrimônio e a família são sinais vivos do Amor de Deus e da aliança de intimidade que o Espírito Divino quer viver com a humanidade. Mas, será que se pode dizer isso de qualquer casamento? Qualquer família, mesmo a que se funda sobre a dominação e o autoritarismo, seria imagem de Deus que é Amor? E como testemunhar isso, como propunha o papa João XXIII, como amiga e parceira da humanidade e não a partir de leis e critérios que o homem moderno não compreende mais?

Ao instituir um Dia Internacional da Família, a ONU parece dizer que toda humanidade precisa debruçar-se sobre a realidade atual das famílias. Sem cair na nostalgia dos velhos tempos, nem ficar repetindo mitos distantes da realidade, precisamos compreender o que está acontecendo e vislumbrar pistas para um novo pacto familiar. A espécie humana precisa, inexoravelmente, de algum tipo de núcleo familiar para o desenvolvimento humano de seus filhos e a sanidade dos adultos. Se não garantirmos às crianças relações afetivas equilibradas no ambiente familiar, será mais difícil para nossos filhos aprofundarem relações emocionais justas e livres com seus semelhantes. É, portanto, urgente, ajudar os casais e as famílias a elaborar um projeto de vida conjugal e familiar, o que só conseguiremos fazer se aceitarmos dialogar sem dogmatismos, nem moralismos fechados.

Mesmo quem está convencido que “família só funciona na hora das fotos de aniversário”, de alguma forma, busca um substitutivo humano e social que ainda não existe.

Ninguém que tenha consciência da realidade deseja retomar ou fortalecer o modelo patriarcal de família. O valor da subjetividade e o critério da liberdade individual são conquistas da sociedade moderna. A recuperação do amor como centro e cerne da relação conjugal, acima de qualquer forma de instituição ou lei é um valor inestimável. Mas, será que não podemos garantir isso, sem permitir que a cultura individualista do neo-liberalismo penetre em nossas relações mais profundas?

Um dos problemas que mais atinge e enfraquece as estruturas das famílias é a miragem do consumismo que exerce verdadeira tirania sobre jovens e adultos e assassina por dentro as relações familiares. Atualmente, o desafio mais profundo para pais e educadores é ajudar os jovens a libertar-se da ânsia do consumo desenfreado. Infelizmente, os meios de comunicação social e a escola parecem não se preocupar em formar cidadãos e sim consumidores para o mercado. É preciso repetir: ninguém é importante pelas coisas que pode comprar, ou pelo modelo de carro que tem, nem pela roupa que veste. O que torna as pessoas importantes é saber que amam, são amadas e se responsabilizam umas pelas outras.

Quem quiser testemunhar Deus como energia de amor se comprometa a lutar contra o vício do consumismo, assuma como método de vida o diálogo nas relações entre pais e filhos, irmãos e irmãs e entre marido e mulher. Procure firmar laços familiares, fundados não só no sangue, mas na causa da solidariedade. Assim, toda a sociedade será uma grande família integrada na comunidade espiritual da vida.

* Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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