Malu Nogueira 29 de julho de 2008

([email protected])

A asa branca diz à craúna e ao galo de campina: “do angico seco, do rio que foi perenizado, eu não podia continuar e terminar morrendo. A falta de chuva me empurrou para outras regiões. Voei longe. Canto noutras matas, onde tenho água, fartura, porém meu coração canta a saudade da terra perdida, por isso desapareci”.
A fogo pagou e o sabiá também ouviram o desabafo da asa branca e completaram:
“Como você, amiga, que temeu a falta das chuvas, a nossa rolinha-azul também arribou. Porém julgamos que, além da escassez de chuvas, outro fator nos afastou de nosso sertão: o homem. Ele estava a nos dizimar, pela fome que tinha. Mesmo que outros homens tenham elaborado leis em nosso favor, taxando como crime hediondo nossa caça, a perseguição continua e a configuração desse fato nos fez arribar em massa”.
Continuaram: “Estamos longe de nosso rincão. Não cantamos com a mesma harmonia e alegria de antes. Devido à saudade e dificuldade de adaptação, fomos acometidas por uma doença chamada banzo, que é a tristeza instalada no coração e nos colocará põe na Casa do Senhor, em poucas horas”.
“Queremos voltar a cantar em árvores, como o pereiro, juazeiro, imburana-de-cheiro; sentir o sol, que queima, mas também nos dá força para voar e cantar. Queremos brindar com a codorniz, o juriti, a rolinha-cascavel, a nambu, o jacu”, a festa da vida, o renascer da primavera. E, quando as chuvas chegarem, queremos encontrar um espanta-boiada, uma rolinha branca, um pinta-silva, o concriz para irmos todos em revoada visitar a comadre sibito, que está com seu ninho cheio de filhotes.
E, quando, porventura, cruzarmos com as aves de arribação, que essas nos dêem as novidades de outras terras, mas que voltem sozinhas, sem nossa companhia a um exílio involuntário.
Queremos ter de novo os nossos ninhos cheios e nossos amigos que estão quase em extinção. Não queremos ter medo do homem que nos dizima, nem da falta de chuvas, que sempre nos afugentou. Enfim, não ter medo do futuro.
O caminho é a conscientização e o respeito por nós, passarinhos grandes, pequeninos e inofensivos. Todos queremos continuar aqui para fazermos a alegria deste sertão árido e difícil, porém constituído por homens e animais fortes e amantes desta terra.
Queremos ver o beija-flor, saltitando nas rosas, a asa-branca cantando feliz e o sabiá, sendo admirado e querido pelo homem.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]