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Esta semana se comemora os dois anos da aprovação pela ONU da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O Brasil, no entanto, não tem o que comemorar. O noticiário internacional sobre o nosso país dá destaque a ação do Supremo Tribunal Federal (STF), passando por cima da Constituição Brasileira, atropelando o já reconhecido direito das terras dos povos indígenas à área tradicional da Raposa Serra do Sol, em Roraima. O STF suspendeu a ação de remoção dos não índios da área e bloqueou a ação da justiça.

Roraima tem 400 mil habitantes, num território de 225 mil quilômetros quadrados. A população rural não chega a 90 mil pessoas, das quais 46 mil são indígenas, ou seja, 52% do total. Raposa Serra do Sol ocupa 7,7% da área do Estado e abriga 18. 992 índios. Estas comunidades indígenas vivem conforme sua organização social própria, seus usos, costumes e tradições. São 194 comunidades dos povos Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana. Através do Decreto Presidencial de 15 de abril de 2005, tiveram o reconhecimento formal de seus direitos originários à posse permanente e usufruto sobre os recursos naturais ali existentes, conforme manda a Constituição Federal de 1988.

Os índios não são donos da terra. Esta pertence à União. Eles são zeladores da terra, das águas, da floresta e da vida. Agora, a imprensa reproduz declarações de algumas autoridades militares, segundo as quais, os índios podem ser obstáculo à integridade do território ou à segurança das fronteiras. Rubem Ricupero, ex-ministro das relações exteriores e responsável por esta área, garante que os índios sempre ajudaram o Brasil a manter o seu território e nunca índio algum ameaçou a segurança nacional (Revista Fórum, junho 2008, p.8). Marina Silva testemunha: “Como ministra do Meio Ambiente enfrentei uma situação no Pará em que um grande grileiro apossou-se de cinco milhões de hectares na Terra do Meio. Conseguimos criar nessa área a maior estação ecológica do país, com três milhões e 800 mil hectares. Vi a Polícia Federal implodir 86 pistas clandestinas, que eram usadas para tráfico de drogas e roubo de madeira. E nunca ninguém disse que aquele grileiro era ameaça à soberania nacional. Mas os 18 mil índios de Roraima são assim considerados por alguns (Folha de S. Paulo, 23/ 06/ 2008).

De fato, o STF deu ganho de causa a seis fazendeiros (arrozeiros) que, sozinhos, ocupam 14 mil hectares em terras da União e as usam como propriedades particulares, nas quais fazem o que querem. Em maio último, o Ibama autuou a fazenda Depósito, propriedade de Paulo César Quartiero, prefeito de Pacaraima, por ter aterrado duas lagoas e nascentes, além de margens de rios, e por ter desmatado áreas destinadas à preservação permanente e à reserva natural legal. Além disso, para não sair da área, os fazendeiros armam milícias particulares e têm usado de muita violência contra os índios.

Em tudo isso, a notícia boa é que as comunidades indígenas resistem à queimada de suas roças, à destruição de suas palhoças e até a ameaça de suas vidas. Em seus cultos a Deus, adorado através das forças da natureza, anciãos e profetas das diferentes etnias leram o futuro e previram que, um dia, todas as pessoas, de quaisquer raças e culturas, com ou sem dinheiro, poderão viver em paz e em fraternidade neste mundo que foi dado pelo Espírito de Amor para todos e não apenas para alguns privilegiados.

Em Roraima, como em outros lugares do Brasil, não é fácil crer nesta profecia, ao ver as coisas tomarem um rumo contrário ao da justiça e da paz. Entretanto, quando, nos Estados Unidos, o pastor Martin-Luther King dizia isso na década de 60, os negros tiveram de enfrentar muitas perseguições até alcançar o direito, ao menos legal, à igualdade social. Quando, na prisão por 20 anos, Nelson Mandela profetizou o fim do apartheid na África do Sul, poucos acreditaram nele.

O sonho dos tuxauas e yakiris de Roraima revela troncos de árvore, cortadas e queimadas. Os velhos índios viram estes troncos renascendo, com ramos verdes e até com flor. É a mesma imagem bíblica do tronco de Jessé, que parecia seco e do qual nasceria o Messias (Is 11). Esta boa notícia não diz respeito apenas aos índios e a grupos comprometidos com a transformação do mundo. Dá a toda a humanidade a certeza de que o mundo tem possibilidades novas de vida, se nos comprometemos com a justiça e a paz. Todos nós podemos ver reflorirem troncos secos que, dentro de nós, foram considerados mortos se, como diz São João, “nós acreditamos no amor” (Cf. 1 Jo 4, 16).

*Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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