Padre Beto 19 de julho de 2008


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Um agricultor novato havia arado e semeado seu terreno. Mas, depois de algumas semanas, ele começou a notar que enquanto a plantação de seu vizinho já podia ser vista, as sementes de seu campo demoravam a brotar. Com o passar dos dias, o jovem camponês tornava-se cada vez mais impaciente e já não podia dormir de tanta preocupação. Não agüentando mais a situação, o agricultor resolveu tomar uma iniciativa. Correu, então, para a sua plantação e começou a puxar os pequenos brotos para cima forçando-os a se abrir. O trabalho exigiu do camponês um enorme esforço. No fim daquele dia, o jovem, exausto, havia puxado e aberto todos os brotos de sua futura colheita. No caminho para casa, ele encontrou seu vizinho e contou-lhe que havia ajudado a sua plantação a crescer. Curioso, o vizinho correu para o terreno do jovem. Ao chegar até ele, avistou uma plantação toda murcha e destruída. Por muito tempo, o jovem agricultor foi motivo de piada para toda a povoação vizinha.
O tempo sempre foi uma preocupação humana. Afinal de contas, o ser humano percebe sua vida em constante movimento e desde que esta começou a ser medida e contada em segundos, minutos e horas, sua efemeridade tornou-se quase que palpável. Diariamente, ganhamos a nítida impressão de que o tempo voar. Esta relação com o tempo e com as circunstancias que o preenchem vem ocupando o ser humano desde a Antiguidade. Na Índia, Kali é, há milênios, cultuada como a deusa do tempo, como aquela que possui uma temida força destruidora que revoluciona a vida e a transforma constantemente. Os gregos acreditavam em Kairos, no deus que revela o conteúdo do tempo. Kairos sempre foi representado pela imagem de um belo jovem. Atualmente existe somente uma única imagem de Kairos, um auto relevo que pode ser contemplado em um dos museus da cidade de Trogir na Croácia. Nesta representação de Kairos, os gregos associavam diretamente o tempo com a beleza. Encontrar o belo conteúdo do tempo, ou seja, a beleza de cada circunstancia é um desafio para todo o ser humano. A beleza de cada tempo se revela através da harmonia entre as condições do momento presente e o agir humano. Se deixamos de descobrir o conteúdo do tempo e sua beleza única acabamos por vivenciá-lo como monótono ou estressante. Como escreveu o escritor francês Salignac de La Mothe-Fenelon, “muitas vezes o tempo não passa de um fardo que não sabemos empregar, e que só nos causa tédio. Há de vir o dia em que um simples quarto de hora nos aparecerá mais estimado que todos os bens da terra”. Porém, a beleza do tempo não significa ausência de tristeza ou de tragédia. Descobrir sua beleza significa ter a consciência da exigência do momento presente e o que ele, através do agradável ou do desagradável, nos pode ensinar. Nesta mesma linha de pensamento, escreve Coélet o livro “Eclesiastes”. O texto bíblico nos alerta que há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo do céu. Tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar a planta, tempo de destruir e tempo de construir, tempo de atirar pedras e tempo de recolher pedras. Cada tempo possui seu conteúdo e revela sua “beleza” à medida que entendemos a dor ou o prazer de seu significado. Para Coélet, a felicidade consiste em alegrar-se e fazer o bem durante sua vida. Justamente esta noção de felicidade só é possível a partir do momento em que interagimos profundamente com o apelo de cada momento. Caso contrário corremos o risco de destruir nossa “futura colheita”.
Diante da realidade do tempo, santo Agostinho nos revela, em seu livro “Confissões”, o outro lado da moeda: o tempo não deve ser somente um esforço da consciência, mas também uma experiência humana, a tentativa de todo o ser humano em construir seu próprio ser. O tempo já não é mais, como na Antiguidade, algo cósmico e universal, mas essencialmente uma experiência subjetiva do homem. Esperar o tempo certo, não significa aguardar passivamente por algo que pode surgir do além. Compreender o conteúdo do tempo deve estar associado a uma postura ativa do ser humano. Em outras palavras, nós somos co-autores do tempo. “Quem sabe faz a hora não espera acontecer” (Geraldo Vandré). Muitas vezes, quando a oportunidade bate à porta, algumas pessoas estão no quintal procurando trevos de quatro folhas. Fundamental é a combinação das duas forças: a compreensão da exigência de cada momento e o recriar humano deste mesmo tempo. “Não podemos fazer tudo imediatamente, mas podemos fazer alguma coisa já” (Calvin Coolidge).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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