Quem nós éramos? Quem nós somos? E quem nós estamos nos tornando?

“O homem é a medida de todas as coisas (…) ou existe um “Caminho”, uma Verdade e uma “Vida” fora da subjetividade e (pós)modernidade da humanidade?

No ensaio da semana passada, continuando a nossa série sobre a dicotomia existencial na qual estamos inseridos e vivenciamos, dia-a-dia, na teia das relações inter(intra)pessoais e inter(intra)institucionais – Cristianismo versus Pós-Modernismo – nós assentimos que, para entendermos bem esta condição pós-moderna, precisávamos, em primeiro lugar, entender o que foi o projeto de modernidade da humanidade, de modo a fazermos uma releitura do background social e cultural no qual nos desenvolvemos, enquanto sociedade e enquanto indivíduos, desde o advento do ideário racionalista do Iluminismo (século XVIII).

Por esse prisma, vimos que a Modernidade da Humanidade se dá, como projeto e pretensão político-social-científico-cultural, quando o homem, completamente imerso nas fontes das teorias racionalistas do “Iluminismo”, estabelece-se e se auto-proclama “a medida de todas as coisas”. Com esse juízo de convicção – baseado mais na arrogância e impetulância do ser humano do que em evidências cognitivas – o homem afirma, peremptoriamente, que, ao contrário do que assentia a fé Cristã, só chegaríamos à “Verdade” das coisas em si pela via única da Razão humana. De tal modo que, uma vez feito assim, atingiríamos o ápice do desenvolvimento das sociedades, em todos os seus matizes e segmentos constitutivos. Em síntese, a tríade do projeto da Modernidade da Humanidade era: o “Caminho” era a Razão Humana balizada pelos postulados e pressupostos da Ciência; a “Verdade” era a hipótese confirmada em Tese pelo raciocínio e cognição humanos, estabelecidos metodológica e cientificamente; e a “Vida” – com abundância (welfare), progresso e desenvolvimento – só teríamos se, realmente, encontrássemos esta “Verdade” pela Razão da Ciência.

Esse foi o audacioso e soberbo projeto do homem moderno de tal modo que, como afirmamos antes, com o advento de tal projeto de modernidade da humanidade, houve um processo crescente de racionalização intelectualista inversamente proporcional aos valores que fundamentam a “Era Cristã”. O Theos (Deus), no (in)consciente individual e coletivo, perdeu espaço e tempo para o Homo Sapiens. Aliás, isso foi (e é tão evidente) que a humanidade – percebendo que a noção de Divindade é inelutável – em vez de, tão-somente, decretar a morte de Deus – como fizeram alguns filósofos, como Nietzche – O materializou, ou O ritualizou, ou mesmo, em síntese, tornou Deus uma simples prática religiosa, seja ela qual for.

E qual o resultado desse projeto moderno da humanidade? Nós vimos no ensaio passado. E Antonny Giddens – sociólogo britânico – nos ajuda a entender ainda mais, confirmando a nossa asserção antepassada: “A ciência perdeu boa parte da aura de autoridade que um dia possuiu. De certa forma, isso provavelmente é resultado da desilusão com os benefícios que, associados à tecnologia, ela alega ter trazido para a humanidade. Duas guerras mundiais, a invenção de armas de guerra terrivelmente destrutivas, a crise ecológica global e outros desenvolvimentos do presente século poderiam esfriar o ardor até dos mais otimistas defensores do progresso por meio da investigação científica desenfreada”.

O resultado de toda essa marcha histórica do projeto moderno da humanidade foi o desencantamento, ainda maior, dela, a humanidade, consigo mesma. Foi assim que afirmamos no ensaio anterior. E desse desencantamento da humanidade com o seu audacioso, soberbo e arrogante plano de modernidade, onde Deus deixou de ser o cerne de todas as coisas e o homem se tornou “a medida de todas as coisas, das que são e das que não são”, nasceu, assim, a sua forjada reação – nenhum um pouco arrependida – o que Lyotard denominou de “condição pós-moderna”. E falamos “nenhum pouco arrependida”, porque o ser humano em vez de se voltar para os pilares que fundamentaram as sociedades até então (por exemplo, a fé em Deus), simplesmente, preferiram atestar como hipótese tranformada agora em tese que: se pela Ciência não chegamos à “Verdade” é porque não há “Verdade” a se chegar. A “Verdade” depende do referencial que é estabelecido arbitrariamente. Essa é a noção “dessubstantivada” de “Verdade” que a pós-modernidade trouxe como fruto da derrocada do projeto da modernidade. É o tal relativismo que impregnou a nossa vida, as nossas instituições, as nossas escolas, as nossas concepções sobre todas as coisas que nos cercam.

Na realidade, a condição pós-moderna em que vivemos é fundamentada em alguns pilares fundamentais de existência para a sociedade e para o indivíduo. São eles: o relativismo, o liberalismo, o hedonismo e o consumismo. Vamos nos deter sobre cada um deles, a partir de agora, a fim de que possamos atingir o nosso objetivo precípuo nesta série de artigos: “rememorar quem nós éramos, saber quem nós somos e compreender quem nós estamos nos tornando”. Comecemos, então, pelo primeiro e mais importante pilar da pós-modernidade: o relativismo.

Ernest Gellner – filósofo judeu-checo – criticando o relativismo cultural, conceitual e moral do pós-modernismo, assim, escreve-nos: “O pós-modernismo parece ser claramente favorável ao relativismo, tanto quanto ele é capaz de claridade alguma, e hostil à ideia de uma verdade única, exclusiva, objectiva, externa ou transcendente. A verdade é ilusiva, polimorfa, íntima, subjectiva (…) e provavelmente algumas outras coisas também. Simples é que ela não é (…).Tudo é significado e significado é tudo e a hermenêutica o seu profeta. Qualquer coisa que seja, é feita pelo significado conferido a ela…”.

A citação acima do filósofo judeu-checo explicita bem o ideário relativista da condição pós-moderna. Quando Ernest Gellner afirma que, para a pós-modernidade, a Verdade “é ilusiva, polimorfa, íntima e subjectiva”, ele expressa, com exatidão, a insensatez e malignidade do gênio humano, porque, em assim sendo, não existe “Verdade”, não existe “Caminho” e não existe “Vida”. Existem “verdades”, “caminhos” e “vidas”. Nesses termos, Jesus, ao falar aos seus discípulos, em João 14:6, que é o Caminho, a Verdade, e a Vida, seria considerado hoje, nesta condição pós-moderna, um fundamentalista mentiroso e arrogante, porque se arvorou no direito de dizer que é a única Verdade, Caminho e Vida a ser seguido. Apesar de forte essa nossa asserção ela expressa a realidade que vivemos hoje.

É, exatamente, por isso que os conceitos morais estão relativizados. Não existe mais o certo e o errado, o bem e o mal, o que é transgressão a Deus ou não, até mesmo porque “Deus” é um conceito relativo, “depende do referencial religioso”, diriam alguns de nós.

Pode crer que é isso que você, eu, nossos filhos e filhas têm visto nas programações televisas, nas aulas aprendidas na escola, em algumas pseudo-igrejas e na teia de relações interpessoais e institucionais, de maneira que o anormal virou normal e o normal virou anormal, isto é, não existe distinção substantiva entre o normal e o patológico, tudo depende de um ponto de vista. Essa é a lição que temos aprendido atualmente. Esse é o ideário relativista da condição pós-moderna. Onde isso vai nos levar? Não tenha dúvida de que é na negação “in totum” da fé Cristã: a apostasia.

(*) Cristão, Advogado e Professor da UFS
(http://www.uzielsantana.pro.br/)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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