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Dizem que conversas de bar podem ser perenes ou temporárias, assim como aqueles rios famosos que nos ensinaram no primário. As perenes, todos sabemos, não mudam nunca: política, futebol e mulher. As temporárias, variam de acordo com o tempo, os eventos regionais, os acontecimentos inusitados.

Apenas um fato é certo: os papos são iguais, ali no barzinho da esquina, na Birmânia ou em qualquer outro lugar onde haja um copo cheio. Pinguço que se preze, repete as mesmas histórias, sempre com um detalhe a mais que antes não fora exposto.

Na política, todo mundo é contra o FHC, e é um fora FHC pra cá e um fora FHC pra lá, que só fica faltando um boné vermelho. Por outro lado, ninguém é de esquerda, pois a esquerda é revolucionária, não tem idéias concretas, é barulhenta e socialista. Mas ninguém é de direita também, pois de direita é ser governista.

Por uma incrível coincidência (dizem que elas existem) todos são de centro, isto é, adotaram a “terceira via” como ideologia política. Coincidentemente, não dá tempo de alguém tentar explicar o que é a tão idolatrada terceira via, ou como ela funciona, antes que o resultado do jogo de ontem venha à tona. E na próxima saída também não dará tempo, mas que azar!

No futebol, diversas variantes podem influenciar no papo sério e concentrado da mesa. Primeiro, se todos (ou a esmagadora maioria) torcer pelo mesmo time, não há margem sequer para uma discussão acirrada: só planejamentos antecipados sobre onde ir comemorar o título do Campeonato Brasileiro do ano corrente, da Libertadores, da Copa do Brasil, e do Mundial Interclubes. Segundo, se houver o habitual conflito de interesses (leia-se: torcidas), determinada facção irá alegar a seqüência de títulos conquistada há 1500 anos atrás como fator crucial na exímia qualificação de seu time frente aos demais. Alvirrubro, qualquer semelhança é mera coincidência.

Antes dos ânimos pesarem um pouco mais e os caneados saírem resolvendo no braço, passa uma galega bunduda próxima às mesas de onde eles estão. É hora de falar sobre a paixão nacional, a cerveja! Pensando bem, dizem que a paixão nacional é a bunda.

Logo, todas as mulheres passam a ser galinhas e mentirosas e, diferentemente do futebol ou da política, a opinião é unânime, sem margem à dúvidas ou argumentos. Por um motivo que me foge à sóbria razão, o tema ‘mulher’ (em todas as suas facetas) é sempre o último a ser discutido antes de se ir pra casa. Talvez por todos concordarem com todos. É incrível como, mesmo em uma mesa só com mulheres, elas terminam falando menos do Paulo Zulu do que o novo namorado da fulana ou o novo corte de cabelo da sicrana.

Os temas temporários na conversa (de bêbado?) variam com a época. Pode ser o aumento dos preços do ingresso para o cinema, o estacionamento do shopping, o novo restaurante que abriu, a última fofoca publicada na revista Caras (a revista cuja leitura todo mundo diz só fazer no consultório médico…), as fotos da nova coelhinha da Playboy, e assim sucessivamente. Dizem, não posso garantir, que são conversas paralelas geralmente utilizadas para preencher a lacuna de silêncio entre os temas planetariamente permanentes, isto é, política, futebol e mulheres… dos outros.

Com tudo isso, ainda me disseram que há uma raça de biritados pior ainda: é o bêbado que escreve. Esse sim, é um condenado, um tinhoso, um carcará. Tem aquele que, cheio de álcool, pega o guardanapo e começa a tecer poesias. Tão logo os outros pinguços percebem, ele é taxado de frutinha e logo desiste, voltando aos sérios debates da mesa. Escrever poesia em guardanapo, cheio de cana, até vai; mas ler em voz alta e perguntar o que “acharam”, simplesmente não dá! Quer desconto, vai fazer um 69.

Tem o outro tipo de bêbado-literata que, além de tudo, é chato pra baralho no dia seguinte. E nos outros dias também. É daqueles que no day after escreve umas besteiras contando o que aconteceu na noite passada, só para dizer que não estava bêbado e ainda lembra de tudinho, em detalhes. Ninguém sabe ao certo o porquê, mas essa facção pseudoliterária gosta de chamar essas besteiras-escritas de “crônicas”, enquanto o resto das pessoas chama de alucinações movidas pelo álcool.

Dizem que eu não bebo muito. Eu acredito. Mas dizem também que eu sou chato na mesa de bar (e em todos os outros lugares), pois quase não falo, meus olhos meio fechados dão a impressão de que não estou gostando da conversa e já estou com sono, e quando vou pra casa saio andando com um jeito engraçado.
Bem, mas isso aí eu não acredito. É conversa de bêbado.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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