Poderia estar em qualquer parte. Tanto fazia que fosse ali ou acolá, a tempestade que caia era ali e era assim que me metia medo. O imprevisível. O imponderável. O que não se pode conter, dominar.
Para afugentar o medo acendi o cachimbo. Procurei pensar em coisas as mais diversas – no gato que ficara embaixo do carro quando sai pela manhã, nas contas do cartão de crédito feitas por minha mulher, no macarrão salgado que comera no almoço. Tudo sempre igual. Somente o medo tinha o poder de mudar o curso do meu pensamento, não das coisas. Crescia, refletia-se em tudo.
Tentei lembrar uma conversa que tivera à tarde com um amigo. Não consegui. Naquela ocasião, permaneceramos horas um ao lado do outro tendo o silêncio como mediador. Tínhamos tanto a nos dizer, não sei se dissemos. Se tivéssemos falado, talvez fugíssemos da mesmice – filhos, esposas, coisas do dia a dia. Assuntos sem atrativos e sem finalidade. Histórias iguais.
A tempestade era o próprio medo. E o medo era eu. A sala às escuras.
Pior do que a tempestade era o tédio que há vários dias vinha sentindo. A falta de querer. O desejo de parar.
A casa encolhera dentro do silêncio. Dela, a não ser a sala, nada mais existia. E ali, o frio, o vento, as sombras imprecisas, o medo e eu.
Na sombra, o vulto, junto à porta, iluminado pela claridade dos relâmpagos. Veio-me ao pensamento um nome ” – Leni. Por que ela? Por que viera me visitar àquela hora?”
Continuava parada, os braços estendidos convidando-me a um abraço. Não deveria vir a minha casa. Não ela.
Um arrepio percorreu todo o meu corpo. O medo desaparecera. O vulto não se mexia. Tive a certeza de que era ela. O vestido fora presente meu. Os cabelos longos já os acariciara milhares de vezes; já estivera naqueles braços em outras tempestades.
Levantei-me, fui ao seu encontro.
Já não estava ali quando minha mulher recolheu o cachimbo, o livro que eu estivera lendo e, possivelmente, o que restara sobre a cadeira.