Acabei de lavrar o meu nome no manifesto contra o acordo ortográfico. Acho a língua portuguesa muito preciosa para ser modificada ao bel prazer, até mesmo de governantes. O idioma é uma das referências de um povo e no caso da língua portuguesa, de vários povos, espalhados pelo mundo. Além do mais a beleza da língua portuguesa está justamente na sua sonoridade própria, na musicalidade das palavras, na sua riqueza de vocabulário e na sua origem latina. Portanto, o idioma é propriedade do povo que nele se expressa e se comunica e nunca deveria ser modificado sem uma ampla consulta popular que atingisse a maioria da população que o fala.

Destarte, as justificativas mencionadas no manifesto, para mim, também, não são válidas. Assim é que, o analfabetismo não depende da língua falada para ser erradicado, mas de políticas públicas com ações dirigidas nesse sentido. O que se devia buscar era o aperfeiçoamento da língua e não a sua castração.

Entretanto, entendo que todo esse movimento tem como motivo subjacente, a facilitação da linguagem em função da comunicação virtual desenvolvida através da internet. Seria um desastre para a língua portuguesa que o seu padrão fosse modificado para atender a essa anomalia idiomática que é a linguagem usada pelos internautas. É uma verdadeira aberração da qual discordo veementemente, tanto que me recuso a escrever ou a responder qualquer mensagem utilizando aquela forma simplificada de escrever as palavras. Acho aquilo um horror e uma violência para com o nosso idioma.

Além do mais, essa prática abominável e destrutiva já começou a dar os seus frutos maléficos, a exemplo da prova de português, aplicada nos vestibulares aqui no Brasil, cujo peso elimina, sumariamente, uma grande parte dos candidatos, porque não sabem ler e muito menos escrever corretamente e em conseqüência, também ficam incapacitados de compreender e de interpretar o texto proposto na prova e sua análise sintática e morfológica. É um verdadeiro desastre. E tudo isso porque, a internet deforma a linguagem e limita a capacidade de pensar. O desenvolvimento da mente para apreender o conhecimento jamais se dará a não ser através da leitura. Essa prática é fundamental e o exercício da leitura de livros, não só de textos isolados, deveria ser obrigatória nos currículos escolares, o que não acontece, infelizmente.

Digo tudo isso com conhecimento de causa, porque sempre li muito, desde os tempos de ginásio, em que a leitura era obrigatória. Já naquela época eu consegui ler grande parte dos clássicos portugueses e brasileiros, além de literatura russa, francesa, inglesa, alemã, em português, evidentemente. Por isso, quando me inscrevi para fazer o vestibular de Direito, em 1986, na Universidade Católica de Pernambuco, uma das boas universidades do Nordeste do Brasil, estando fora da escola desde 1958, ano em que terminei o curso normal pedagógico, na Academia Nossa Senhora de Fátima, dirigida pelas Beneditinas, em Barbalha, no Ceará, mesmo assim, passei muito bem na primeira prova que era a de português, classificando-me para as seguintes e passando em todas, apenas com os conhecimentos adquiridos no meu curso normal pedagógico, sem ter freqüentado os famosos e hoje quase obrigatórios, cursos pré-vestibulares.

Naquele tempo, o ensino da língua portuguesa era levado a sério nas escolas e colégios, reprovando quem não estivesse preparado para os exames finais. Haja vista que já no curso ginasial se estudava análise sintática de trechos dos Luzíadas. Era uma tortura mental. Mas valeu a pena. Também, tínhamos que aprender a ler e a decorar poesias de bons poetas vernáculos. Daí é que até hoje, trago gravado na memória o belo soneto de Camões:

“Alma minha gentil que te partiste,
tão cedo desta vida, descontente,
repousa lá no céu eternamente,
e fque eu, cá na terra, sempre triste.

Se lá do assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente,
que já nos olhos meus tão puro viste.

E, se vires que pode merecer-te,
alguma coisa a dor que me ficou,
da mágoa sem remédio de perder-te,

Roga a Deus que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo dos meus olhos te levou.”

Este é um dos mais lindos poemas da língua portuguesa, além de outros, que ainda sei de cor. Há, também, belíssimos poemas de autores brasileiros, como Olavo Bilac, Castro Alves, Casimiro de Abreu e muitos outros, que mereceriam ser pelo menos conhecidos por quem se inicia no estudo do idioma pátrio.

Amo a língua portuguesa. Ela faz parte da nossa identidade de brasileiros, onde foi enriquecida e onde é falada por mais de 180 milhões de pessoas. Poderia ser mais estudada para se tornar mais conhecida e amada por todos. Afinal, a língua é parte da pátria, como a bandeira e o território. É coisa sagrada que não pode ser profanada assim, à toa.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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