Sabemos como as festas juninas invadem o Nordeste nesses dias de tradição folclórica..As cidades, sobretudo do Recôncavo, explodem de alegria. O perigo é que as genuínas tradições podem ir se perdendo em função de um S. João mais comercial. Lembro-me , quando logo aqui cheguei, que na primeira festa junina em que passei na Heróica Cidade,em 2001, vi em muitas casas, nas janelas, bandejas com laranjas, amendoim e licor, tudo aberto ao público que passasse, podendo se servir à vontade.

De qualquer forma, essa festa está no coração dos brasileiros. A história registra que no Rio de Janeiro, havia lugares em que se festejava o Batista de modo estrondoso e fidalgo. Em Paquetá, em Inhaúma, na Ilha do Governador, e em outros recantos, havia um mastro plantado com uma boneca, enfeitada com espiga de milho, laranjas e mais frutas, tudo indicando que ia haver festejos naquele sítio e anunciando a proximidade do dia.Nos arrabaldes, as chácaras e palacetes, usando o mesmo sinal, chamavam a atenção dos vizinhos que propalavam os nomes dos donos dos promotores e comentando os nomes dos convidados.

Tudo isso veio das tradições portuguesas. Por isso mesmo, até hoje é famoso o S. João do Porto. Santo Antônio é em Lisboa, cidade do seu nascimento – lá são famosas as marchas que marcam essa festa. Mas a Câmara de Coimbra já registra em 1464, a “cavalhada na véspera de S. João com sina e bestas muares”. No período da Colônia, os cronistas Frei Vicente do Salvador e Padre Fernão Cardim, registram a alegria dos silvícolas na época de S. João, por causa das fogueiras e das palmeiras que ornamentavam o ambiente.

No interior do Nordeste, muitos ainda se lembram das muitas superstições que eram iluminadas pelo clarão das fogueiras. Seja debaixo dos tetos de estuque como nas casas dos mais pobres, essas crenças abrigavam-se sem constrangimento. Havia muitas crenças que permeavam esse imaginário. Por exemplo, em louvor do Santo, plantava-se um dente de alho e se ele amanhecia grelado, obtinha-se o que se desejava. Outra crença consistia em colocar-se uma bacia d’água ao sereno : antes do nascer do sol se o indivíduo, mirando o rosto, não visse a sua sombra, era sinal de que não chegaria ao outro S. João. Uma outra superstição mais arraigada no meio do povo, era que as brasas da fogueira ficavam bentas; muitas pessoas as guardavam ou enviavam aos parentes ausentes , acreditando que quem as possuísse viveria mais um ano.

Cachoeira é a cidade das grandes tradições da Bahia. Lá não se sente limite entre as festas cívicas e as religiosas. Tudo tem o mesmo ponto de partida e semelhante ponto de chegada. Por isso mesmo, ela tem condições de, ao lado dos festejos cercados com as bandas que preenchem o roteiro junino,não deixar que se perca o fio da tradição que está lá tão presente, mesmo que em alguns aspectos, em estado de hibernação.

Por ser esse centro de cultura no Recôncavo Baiano, é que foi aprovado , por iniciativa da Deputada Lídice da Mata, um Projeto que torna essa cidade a capital da Bahia, em cada 25 de Junho, que corresponde ao 2 de Julho cachoeirano . Nesse dia o Governador do Estado despacha lá, participa de eventos culturais, de sessão na Câmara, e haverá até um Te Deum, na igreja Matriz, em ação de graças pela vocação libertária dessa Cidade Heróica.

Pessoalmente, estou engajado na criação da Casa do Samba-de-Roda de Cachoeira. Dentre os mais famosos da cidade, está o chamado “Suerdick”, que foi organizado pela matriarca Dona Dalva há quase 50 anos. O Prefeito ficou sensível a esse Projeto e doou a casa que está ao lado do Arquivo Público para aí se realizar esse Projeto e os sambas-de-roda da cidade poderem ser abrigados. Essa casa é histórica pois foi lá que nasceu Teixeira de Freitas, o jurista cachoeirano, que dá nome ao Foro da cidade.

Todos esperamos o apoio do Governador, através dos setores correspondentes de incentivo à cultura. Certamente a 1ª Dama ( que não gosta de ser assim chamada), visitará esse sobrado, e se engajará na obtenção dos recursos para tal Projeto chegar a um final feliz.

O IPAC já colheu os dados necessários para elaborar um Projeto de Restauração dessa casa, através dos seus arquitetos e técnicos. Isso tudo enche de expectativas as pessoas interessadas, nesse caso particular, as sambadoras e sambadores ligadas ao Projeto de D. Dalva, que vem mantendo acesa essa bandeira de uma tradição que tão bem representa os valores dessa terra.

Todos contamos com a intercessão de S. João por Cachoeira, nesse dia em que o governo está tão próximo dessa cidade. Ele é Profeta, isto é, aquele que fala mais alto, e mostra os caminhos. Foi ele que, apontando para Cristo , disse:”Eis o Cordeiro de Deus, o que tira o pecado mundo”. Mas esse filho de Isabel e Zacarias era muito humilde, por isso disse :”Eu sou apenas a voz, ele é que é a palavra”. E ainda completa :”Eu não sou digno de desatar suas sandálias”.

*Professor Adjunto de Antropologia da UNEB, da Faculdade 2 de Julho e da Cairu. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, da Academia Mater Salvatoris, Sócio da Associação Nacional de Interpretação do Patrimônio, Sócio Efetivo do Instituto Genealógico.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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