Ex-Director do INETI* (Coimbra)
Escritor ([email protected])

Os factos ocorridos com a súbita mudança de rumo do governo, relativamente à localização do novo aeroporto, deixaram uma enorme perplexidade no cidadão comum. Não está em causa a opção Alcochete que, a meu ver, é a mais acertada, mas sim a leviandade como são conduzidos assuntos inerentes à «Estratégia de Desenvolvimento Nacional» facto que configura uma forma de estar do tipo “doing as we go”. Quando na fase de construção, se reconhece que um projecto está eivado de erros e/ou omissões, que dão lugar a paragens e a inúmeros trabalhos a mais, o “doing as we go” faz disparar os custos dos investimentos para patamares inconcebíveis, que são pagos por todos os contribuintes. Exemplos de curta memória são materializados pela construção do CCB, Parque das Nações, Metro na Baixa de Lisboa, ponte Rainha Santa Isabel, em Coimbra, e muitos outros, mas em questões de estratégia, tudo se complica. Podemos estar a hipotecar o futuro dos nossos filhos e netos e, eventualmente, do próprio país.

Vivia-se na era marcelista as agruras da falência da EFTA, as guerras coloniais, o isolamento político e comercial e a crescente oposição ao regime, quando Marcello Caetano decidiu enfrentar o vendaval na mira do Mercado Único Português com o apoio dos sete grandes grupos económicos da altura. O temporal batia forte, mas a esperança renasceu com o reajustamento das rotas comerciais devido ao embargo do Canal do Suez e inerente corrida aos grandes navios-tanque e com promissores interesses relativamente ao petróleo de Angola, às pirites de Aljustrel, ao ferro de Moncorvo e de Cassinga e a outros recursos naturais. Das cinzas da história, a calátide dos descobrimentos relança a velha vocação atlântica de Portugal e devolve ao mundo a importância da rota do Cabo. Era indispensável encontrar uma área adequada para lançar o coração de um grande empreendimento, assente na indústria de base, servido por um porto de águas profundas capaz de satisfazer a espiral de crescimento dos petroleiros, cujo pico apontava para um milhão de toneladas. A agricultura, considerada perdida para o desenvolvimento (13% do PIB) dera lugar à presumida indústria (44%). E que outro lugar podia suplantar Sines? Terra virgem, baía com batimétricas de -20 a -50 metros, agricultura sem o correspondente rendimento e actividade piscatória sem peso. Concomitantemente, reconhece-se a necessidade de um novo aeroporto e o local escolhido foi Rio Frio (Montijo). O 25 de Abril apanha aquele empreendimento ainda em fase embrionária e, quando o cancelamento era dado como certo, face à anulação de um conjunto de pressupostos que o justificavam, o mesmo recebe luz verde, embora subordinado ao capitalismo de Estado.

Resta do empreendimento, um excelente porto de águas profundas – terminais para petroleiros, graneleiros, refinados, gás natural e carga geral – a central térmica a carvão (EDP), a refinaria (GALP), alguns parques de indústria ligeira com PMEs, a nova cidade de “Santo André” e a barragem de Morgavel (30×106 m3 de água) alimentada por um complicado transvaze. A indústria petroquímica e a metalomecânica pesada faliram, as novas perspectivas de investimentos (exemplo: fábrica da Ford) falharam e a gestão do actual património residual do Estado é frágil. O empreendimento, que nascera voltado para o mar, não precisava “ab initium” de uma grande rede de ligação ao interior, a não ser algumas vias rápidas e a linha de caminho de ferro Sines-Poceirão. Todavia, a partir do momento que Portugal aderiu à CE, não faz sentido defender uma política atlântica sem conseguir ligar os nossos portos e, em especial Sines, ao centro da Europa. Só assim se conseguirá entrar em concorrência com portos tácticos do Mar do Norte e do Mediterrâneo.

Tal como aconteceu com a localização do novo aeroporto, palra-se agora, por tudo e por nada, sobre o TGV: Lisboa-Porto, Poceirão, ligação a Espanha (Elvas, Badajoz, Madrid…) e mais umas quantas conjecturas. Nunca entendi a essência do conceito designado por “politicamente correcto” mas sei, sem ambiguidades, o que é que quer dizer “tecnicamente correcto”. É tempo de os partidos mais representativos do espectro político português meditarem sobre o passado e tentarem estabelecer um acordo de regime no que toca à essência de um “Plano Estratégico” com coluna vertebral sólida e os governos deixarem-se do “doing as we go”. É preciso saber para onde vamos e como vamos. Um plano destes não pode andar a reboque de chicana barata. Já basta! Em matéria de um comboio de mercadorias de velocidade alta, a Espanha e a França são antagonistas nada interessados em que possamos ter um pé estrategicamente posicionado no Atlântico e outro no coração da Europa. A aproximação de Portugal ao Brasil e à Venezuela, pelo ocidente, a Singapura, pelo oriente, e a dita amizade do nosso Primeiro-Ministro com J. L. Zapatero podem ser indícios desse eventual plano, mas tudo isto é nebuloso vago e impreciso. Há que pensar nestes assuntos com aprumo e sentido de Estado, e o desempenho político dos governos de há umas quantas legislaturas a esta parte tem deixado muito a desejar. É bom ficarmos atentos ao futuro.

(Publicado no Diário de Coimbra de 8 de Fevereiro de 2008)

* INETI – Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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