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A proximidade do dia dos namorados ativa o comércio e produz sempre aumento de vendas. O comércio festeja e muitos namorados ficam com a impressão de que a relação afetuosa possa se medir pela quantidade ou qualidade dos presentes dados.

De fato, a ideologia do consumo pode não ajudar em nada o caminho de quem ama. Entre casais mais pobres, gastos desmedidos podem levar a dívidas desnecessárias e a tensões deslocadas, já que não se centram no encontro do eu e tu e sim nos objetos de consumo que se interpõem entre os dois como símbolos nem sempre conectados à realidade. Estes símbolos valem muito mais do que os objetos concretos que se dão de presente. O tênis de tal marca vale mais como nome do que como calçado. Mais do que o conforto ou a beleza, o importante é denotar status. A marca famosa de uma roupa dá acesso a determinados ambientes e permite a seu portador sentir-se membro de tal tribo ou aparecer como quem “está por dentro”.

Viver este percurso leva a pessoa à tentação de viver o namoro, não como encontro e diálogo com o outro e sim como contrato de propriedade e domínio um sobre o outro. Tal situação é tão pouco realista e adulta que, na maioria das vezes, serve apenas para que cada um, por seu lado, não se sinta totalmente sincero. E o namoro se transforma em um jogo lamentável e pouco transparente. Na classe média e entre jovens mais abastados, de vez em quando, cada um precisa ter certeza de que o/a namorado/a se relaciona consigo por amor à sua pessoa e não ao carro, à casa ou a algum bem que este possua.

Em uma sociedade na qual os jovens conquistaram liberdades com as quais a geração de seus pais nem sonhava, o namoro assume a importância que antes nem o noivado possuía. Com a facilidade com que, atualmente, as pessoas podem “ficar” umas com as outras, quem opta por namorar assume o compromisso de uma relação mais duradoura e profunda. O namoro já assume certos aspectos de convivência estável, mesmo se, por definição, ainda é temporário.

No mundo atual, existem profetas da justiça e da paz, como também da ecologia. Entretanto, no cotidiano cinzento da vida urbana, todo casal de namorados, pelo próprio fato de namorar, contribui com a profecia mais básica de que o amor vale a pena e o romantismo nunca fica superado. O namoro pode dar cor e beleza ao dia a dia, tantas vezes sem graça. Mesmo em meio às imaturidades de cada um e aos pequenos egoísmos com os quais nos educamos, os namorados revelam que, mesmo sendo sempre um desafio, a convivência humana contém uma beleza profunda. Na realidade, as pessoas só se deixam conhecer através do amor. Ao mundo da racionalidade fria e do calculismo sem limites, os namorados vivem o amor não apenas como realidade intima e inter-pessoal, mas como fato social. Aparecem juntos em público e socialmente se dão sinais de amor e carinho. Este fato recorda a todos, jovens e mais velhos, o encanto do primeiro amor e um apelo para crer de novo na jovialidade da vida.

Muitas vezes, como tão realisticamente dizia o mestre Vinicius de Moraes, “o amor é eterno, enquanto dure”. Mas, pouco importa se o primeiro namoro não se torna o casamento desejado, ou se as flores do primeiro amor podem murchar. Elas nos ensinam o caminho e marcam o coração para sempre. Os presentes que o consumismo propõe podem ser esquecidos, mas não o encontro verdadeiro entre dois seres. Mesmo se depois a vida conduz cada um por caminhos diversos, o amor permanece como farol a iluminar as noites da alma. Ernesto Cardenal, poeta e monge nicaragüense, recordava-se de um grande amor de juventude e escrevia em espanhol um breve poema que podemos traduzir assim: “Quando eu te perdi, tu e eu perdemos. Eu perdi porque tu eras a pessoa que eu mais amava. Tu perdeste porque era eu quem te amava mais. Entretanto, de nós dois, perdeste mais do que eu. Porque eu sempre amarei assim e tu nunca encontrarás alguém que te ame mais do eu”.

* Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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