Outro dia, acordei vendo e ouvindo na TV uma terrível notícia sobre a dimensão atingida pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro, que quanto mais reprimido, como vem sendo pelo atual governo do Estado, mais recrudesce em ousadia e violência, chegando a proporções incontroláveis, o que é absolutamente inaceitável pela sociedade e pelo poder público.

Nesse aspecto, há que se destacar a omissão, que chega às raias da conivência, por parte das comunidades onde acontece a guerra do tráfico, as quais, de certa forma convivem mais ou menos pacificamente com os traficantes e muito mal com a polícia que os reprime. Tanto que, as pessoas atingidas por balas perdidas ou mesmo os familiares de pessoas mortas em conseqüência da repressão policial ao tráfico de drogas, demonstram muitas vezes a tendência de atribuir a culpa da violência na guerra do tráfico, não aos traficantes, mas à polícia, o que é um contra-senso descabido e favorável ao tráfico.

Tal atitude é devida, em parte, ao fato de serem os traficantes, maridos, filhos, irmãos, parentes e amantes e amigos dos moradores das comunidades que abrigam o tráfico de drogas, mas é devida, principalmente, à falta de políticas públicas para as comunidades faveladas, onde os traficantes assumem de tal forma o controle desses locais, como verdadeiros governos paralelos, situação insustentável e inadmissível numa sociedade civilizada.

Na grande cadeia deletéria, originada pelo tráfico de drogas, é de se considerar como fator altamente pernicioso, o aliciamento criminoso de crianças e adolescentes para o tráfico, condenando, desde muito cedo, essas criaturas, a uma vida degradante para elas, com reflexos maléficos para toda a sociedade.

Nesse contexto, algumas indagações se impõem: A quem se destina a droga que é vendida nas favelas? O tráfico seria tão lucrativo se não existissem compradores? O traficante correria todos os riscos se não houvesse clientela certa para o seu abominável comércio?

Para todas essas perguntas a resposta sinaliza, inevitavelmente, o usuário. Contudo, seja ele consumidor eventual ou viciado em drogas, este personagem decisivo no cenário da droga, fica sempre à margem do problema, como se não lhe dissesse respeito diretamente.

Assim é que, inexplicavelmente, ao usuário não é atribuída qualquer responsabilidade em relação ao tráfico de drogas e aos irremediáveis males dele decorrentes. Pelo contrário, ele é tido como vítima e merecedor de toda a proteção social.

Sobre o aspecto de o usuário de drogas ser considerado vítima, esse conceito só pode ser aceito como tal, quando ele já está seriamente comprometido com o vício, a ponto de não mais conseguir largá-lo, chegando geralmente à morte ou na menor das hipóteses, se for rico, ao internamento em clínica de recuperação, para tentar uma dolorosa, cara e difícil desintoxicação. Quando atinge esse ponto, a pessoa, infelizmente, passa a ser vítima.

Mas, no início do aliciamento, ou nas primeiras experiências, ao consumir drogas por diversão ou por outros motivos banais, qualquer pessoa sabe perfeitamente o mal que a droga acarreta, tanto do ponto de vista individual como no âmbito social.

Por isso, quem faz uso de droga, age de forma consciente e de livre e espontânea vontade, devendo, assim, ser também responsabilizado socialmente pela disseminação da droga e eventualmente, também punido, pois, não há como separar o usuário do traficante. Este depende daquele, sabendo-se que, só há traficantes, porque há usuários consumidores de drogas, sendo esta a conclusão de uma premissa lógica irrefutável.

Nesse contexto, em face do aliciamento e do poder do narcotraficante, apenas uma exceção pode-se admitir. É com relação às crianças menores, que ainda não têm discernimento ou condições de evitar o envolvimento com a droga, a exemplo das crianças das favelas que já nascem e se criam naquele ambiente nefasto, tendo que conviver com a droga, por falta de quem deveria livrá-las e assistí-las, proporcionando-lhes oportunidades e alternativas essenciais, tais como educação.

Fora dessa situação, nem as demais crianças que têm família, escola, diversão, internet e todas as regalias de sua condição social, estão eximidas de responsabilidade, se optarem por consumir drogas.

Com efeito, se for feita uma reflexão abrangente sobre o problema, chega-se à conclusão de que, sendo a burguesia o segmento social que pode pagar para consumir a droga, ele passa a ser o grande coadjuvante e por conseguinte, também, responsável pela disseminação do tráfico.

Entretanto, não é só no Brasil, mas em todo o mundo ocidental, que há uma complacência perniciosa, para com o usuário de drogas, o qual é sempre considerado vítima e não coparticipante da responsabilidade pelas mazelas que o tráfico acarreta à sociedade de modo geral e às pessoas de modo particular.

Nesse sentido, a legislação é branda para com o usuário e severa para com o traficante. No Brasil, o narcotráfico é considerado crime hediondo, para o qual, em princípio, não é permitida fiança ou cumprimento de pena em liberdade, tendo o criminoso que cumprir a pena em regime fechado, pelo menos por algum tempo.

Isso é o que diz a lei, mas, nem sempre ela é cumprida em seus termos, pois a corrupção que atinge tanto a juízes, como a advogados e agentes penitenciários, sempre dá um jeito de amenizar a situação desses criminosos, através de muito dinheiro, que serve para facilitar até a fuga de traficantes, dos presídios. É uma situação escabrosa, podendo-se considerar o narcotráfico o maior mal dos dois últimos séculos, sem que haja, a curto prazo, uma solução para esse gravíssimo problema comum a todos os países, especialmente, aos países ocidentais, onde não se vislumbra luz no fim do túnel para o controle desse virus social.

Ademais, radicalizar posições sobre as drogas e seus usuários, não encontra guarida por parte dos ricos ou da classe média alta que são os clientes preferenciais desse mercado execrável, sendo que, atualmente o consumo de droga se encontra tão infiltrado em todos os níveis da sociedade, que pode até ser considerado, se ainda não como epidemia, já, porém, se configura como verdadeira pandemia, na sociedade moderna e capitalista.

Entretanto, a despeito da reação contrária, que possa suscitar em quem adota a liberdade sem limites como princípio de vida e por isso discorda da repressão e da criminalização também para o usuário habitual ou eventual de drogas, a radicalização é uma forma de se chegar à consciência da terrível realidade que o mundo da droga impõe, lançando seus mortíferos tentáculos sobre a infância, a juventude, pervertendo e minando a sociedade em suas raízes e em seus princípios.

Diante do cenário atual de violência e decadência social, não há como ser tolerante e complacente com qualquer dos dois personagens, traficante e usuário, porquanto, ambos são protagonistas nessa tragédia que atinge a todos, indistintamente.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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