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Este título de um livro clássico sobre o conflito do Contestado, no inicio do século XX, no sul do Brasil, se torna mais atual neste 2008, quando pensamos na onda de migrantes que percorre o mundo de sul a norte e de leste a oeste. Nunca tanta gente saiu do seu país de origem. A ONU avalia que o número de migrantes chega a 160 milhões. Mais do que o triplo da onda de migrações do início do século XX, quando mais de 50 mil europeus vieram para o sul do Brasil e outros países pobres, afim de escapar da fome e encontrar trabalho e vida segura.

Agora, as migrações são em sentido inverso, do sul para o Norte e chegam a ser comparadas por intelectuais europeus como nova “invasão de bárbaros”. Atrás do sonho de uma vida melhor, os migrantes enfrentam todo tipo de dificuldades, arriscam-se em ultrapassar fronteiras, vão além das leis e se tornam clandestinos em países ricos e excludentes. Apesar da política de tolerância zero do governo Bush, cada ano, os Estados Unidos recebem um milhão de migrantes, o que faz com que os estrangeiros já sejam 10% de sua população. Na França, uma pesquisa revelou que 61% dos restaurantes de Paris empregam trabalhadores sem documento. Não cumprem as leis do trabalho e pagam bem menos do que aos franceses, além de exigir dos empregados clandestinos a média de 60 horas de trabalho por semana e sem hora extra.

Todos os governos europeus estão endurecendo as leis. Na Itália, o governo Berlusconi estimula uma onda de racismo e começa uma caça a migrantes clandestinos, tratados como se fossem bandidos. O presidente da França fala em “imigração selecionada” e calcula que, em 2008, expulsará do país 26 mil migrantes. Isso lhe garante, na França, um aumento de popularidade. Neste mês, o Parlamento Europeu discute um projeto de lei chamado “Diretiva de Retorno” que dá aos governos o direito de prender e expulsar sumariamente os imigrantes ilegais. O Mercosul, reunido em Buenos Ayres, emitiu uma queixa diplomática à União Européia por discriminação agressiva e violenta a migrantes dos nossos países. O ministro Celso Amorim adverte: “Se brasileiros forem barrados nestes países, o Brasil será forçado a dar tratamento igual aos europeus que quiserem entrar no território brasileiro”. Há poucos meses, ele respondeu à intolerância da Espanha com brasileiros fazendo o mesmo com espanhóis no aeroporto da Bahia. Tudo isso é estranhamente hipócrita, porque Patrick Peugeot, diretor de um organismo da ONU, declarou: “Diante das necessidades reais da economia francesa, o Estado será obrigado, cedo ou tarde, a optar pela regularização dos trabalhadores ilegais, sob pena de provocar uma grave crise na economia do país” (Cf. Le Monde Diplomatique, junho 2008).

No Brasil, esta é a semana na qual a Igreja Católica comemora a 23ª Semana Nacional dos Migrantes. Neste ano, o tema é Migrações, Vida e Direitos. Recorda que as migrações ocorrem por uma vida melhor e, desde 1948, o 13º artigo das Declarações dos Direitos Humanos da ONU fala do direito que todo ser humano tem de sair da sua terra e ir buscar uma vida melhor em outro país. Por outro lado, crescem no mundo inteiro, a fuga de refugiados que escapam de guerras e violências, além do tráfico de mulheres e até de crianças, forçadas a se prostituir nos países ricos. O cartaz desta Semana dos Migrantes insiste: “Basta de Migrações Forçadas!”.

Hoje, grande parte da humanidade sonha com um mundo no qual ninguém seja mais considerado estrangeiro. Dom Hélder Câmara dizia que, para não cultivar sentimentos de posse, todos deveríamos nos sentir como estranhos em nossa própria terra, mas, ao mesmo tempo, vivermos em qualquer país como cidadãos do universo. É preciso sentir-se assim e, desta forma, tratar todos os seres humanos como membros da única família, reunida na casa comum que é o planeta Terra.

* Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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