Quem nós éramos? Quem nós somos? E quem nós estamos nos tornando? (Parte II)
O projeto da humanidade (pós)moderna é: “O homem é a medida de todas as coisas (…)” (Protágoras de Abdera, 480 a 410 a.C.)

(www.uzielsantana.pro.br)

Conforme assentimos no artigo anterior, o propósito essencial e leitmotiv motivador desta série de artigos que estamos a escrever é levar o leitor à reflexão sobre o mundo em que vivemos, tomando-se em consideração, especialmente, os fundamentos culturais e valorativos que conformam o (in)consciente individual e coletivo da nossa sociedade. A nossa pretensão objetiva é a de tentarmos conhecer, compreender e, em assim sendo, levar a sociedade a entender as razões e os porquês de sermos quem nós somos e, sobretudo, quem nós estamos nos tornando no contexto social, institucional e relacional.

Para isso, é essencial fazermos uma releitura do background social e cultural no qual nos desenvolvemos, enquanto sociedade e enquanto indivíduos. Afinal de contas, como afirmamos no ensaio anterior, vivemos sob a égide de uma dicotomia existencial: de um lado, olhando o mundo pelo prisma cultural, científico e filosófico, estamos vivendo sob os fundamentos valorativos do chamado pós-modernismo; por outro lado, olhando, agora, o mundo pelo prisma moral-religioso e institucional, estamos vivendo sob a égide e os fundamentos valorativos da chamada “Era Cristã”.

Pois bem. O objetivo do ensaio de hoje e da próxima semana é tentar levar o leitor a entender o primeiro prisma desta dicotomia: o “Pós-modernismo”. As indagações a serem respondidas para que atinjamos esse fim são: no que se constitui a cultura pós-moderna? ou, na linguagem do filósofo francês Jean-François Lyotard (que cunhou o termo pós-modernismo), no que se constitui a condição pós-moderna? Ou ainda: quais seriam as bases ideológicas do projeto (pós)moderno, como denominou o filósofo alemão Jünger Habermas? Enfim, quais são os valores que fundamentam o pós-modernismo, já que, como temos afirmado contundentemente, tendo em vista a impregnação cultural do seu conjunto de valores e ideais, temos vivido uma espécie de anarquia ou anomia moral, seja no âmbito das relações interpessoais, seja no âmbito das relações institucionais? Vejamos, então.

Para compreendermos o ideário da condição pós-moderna, temos que, primeiramente, entender a condição anterior à pós-modernidade, ou seja, temos que entender o que foi a “modernidade” da humanidade. E para isso nos reportamos à epígrafe deste ensaio de hoje. Não foi por acaso que temos colocado como epígrafe a célebre frase do filósogo grego Protágoras, dita cerca de 500 anos antes do nascimento de Jesus Cristo: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”. Tal citação calha bem como lema do projeto moderno da humanidade: o homem – em si mesmo – é a medida de todas as coisas. Ledo engano.

Seja como for, esta frase, explica bem, o que foi (ou o que é) a Modernidade da humanidade. Não é por outra razão que o filósofo polonês Zygmunt Bauman – comentando esse arrogante e soberbo projeto que a humanidade, a partir do século XVIII (o erroneamento denominado século das luzes) construiu para si mesma, esquecendo-se do Princípio e do Criador de todas as coisas – afirma que tal se constititui em um grande sonho que a humanidade elaborou para si mesma, como um audacioso projeto da Razão como libertadora.

Por que isso? Porque o projeto moderno da humanidade entendia que somente a partir da Ciência, da Razão – como elementos de transformação do mundo e dos sistemas sociais pelo Homem – poderíamos chegar ao Bem, ao Belo e a Verdade de todas as coisas e, assim, atingiríamos, na sociedade, os ideais de um “Welfare State” (Estado de Bem-Estar Social). Nesse sentido, Cheviratese, em “As razões da Pós-Modernidade” (ISBN 85-88319-07-1), escreve-nos: “A aplicação ampla da racionalidade na organização social prometia a segurança de uma sociedade estável, democrática, igualitária (…). A possibilidade de domínio científico representava o aceno de uma ambicionada segurança, que nos afastaria dos infortúnios ligados a imprevisibilidade do mundo natural (desde condições climáticas e de relevo, a doenças físicas e mentais): a natureza deveria submeter-se ao poder da Razão humana. Estes foram sonhos demasiadamente caros para a humanidade, pelos quais se permitiu a hipervalorização do conhecimeno objetivo e científico”. Esse foi (ou é) o ideário do mundo moderno. Com o advento dele, houve um processo crescente de racionalização intelectualista inversamente proporcional aos valores que fundamentam a “Era Cristã”.

E qual o resultado desta projeção e construção do Homem? É fácil saber. É só olharmos para a sociedade na qual vivemos hoje para sabermos se esse projeto da Razão do homem moderno obteve êxito. Evidente que não, porque o homem não é, em essência, a razão e a medida de todas as coisas. Usaram para a transformação social o requisito errado: a medida do Homo Sapiens. Esqueceram do Theos (Deus).

O resultado de toda essa marcha histórica do projeto moderno da humanidade foi o desencantamento, ainda maior, dela mesma, a humanidade, consigo mesma. É só nos lembrarmos dos acontecimentos mundiais em Auschwitz e Hiroshima, no período das duas grandes guerras mundiais. Esses foram os frutos do projeto da Modernidade. É o Homem a medidade de todas as coisas? Quando sim, o resultado é esse.

E é, exatamente, por isso que surge, segundo Lyotard, a reação da humanidade à modernidade: nasce, assim, a condição pós-moderna. Qual, então, as bases dessa? Quem pensa que o Homem desistiu do seu ambicioso projeto ou se arrependeu dos seus maus caminhos, como diriam os Cristãos, engana-se. A condição pós-moderna é ainda pior, porque, em vez de se reconhecer o crasso erro de se ter colocado o Homem acima de Deus, o que se fez e se faz é estabelecer que: não existe uma Verdade a ser encontrada, não existe o Bem ou o Mal, nem existe o Belo e o Feio. Tudo é relativo. Tudo é circunstancial. Não existem padrões morais a serem seguidos. Cada um vive a sua vida. Somos independentes. Eis um pouco da Condição Pós-Moderna.

No próximo artigo, continuaremos e explicitaremos os valores que a fundamentam e as terríveis conseqüências desta condição para a nossa sociedade.

(*) Cristão, Advogado e Professor da UFS ([email protected])

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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