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Desde o começo do mês de junho, o Brasil inteiro é tomado pelos festejos juninos que, conforme a região, muda de estilo e de forma, mas envolve desde crianças nas escolas até clubes de futebol e grupos de vizinhos nas ruas das cidades. No interior do Nordeste, as festas juninas chegam a ser mais importantes e envolventes do que o Natal e mesmo o Carnaval.

Estes festejos não devem ser vistos como resíduos anacrônicos de uma sociedade rural, sem mais espaço na cultura urbana do século XXI. Além do fato de que as cidades reeditam as comemorações juninas de modo mais adequado ao espaço urbano e às exigências ecológicas atuais – por exemplo, não se vêem mais como antigamente uma fogueira na porta de cada casa, – as brincadeiras tomam um maior valor simbólico e até um conteúdo social mais explícito. Muitas vezes, jovens em situação de risco, que não entram em outras atividades pedagógicas, quando se fala em quadrilha ou casamento caipira, se organizam quase espontaneamente e com disciplina e poder de mobilização social.

Desde que a humanidade existe, gosta de celebrar festas religiosas por ocasião do solstício do verão que, no sul, corresponde ao inverno. Na noite de 21 de junho, em toda a cordilheira dos Andes e em alguns outros pontos da América do Sul, as comunidades autóctones celebram o ano novo andino. A passagem de ano é marcada pelo solestício do inverno. No hemisfério norte ocorre no 1º de janeiro e no sul neste momento de junho. O próprio mês de junho herda o nome de Juno, antiga deusa-mãe dos romanos, responsável pela fertilidade da terra e pela fecundidade feminina. Quando o cristianismo se impôs, os ritos pagãos da fertilidade assumiram vestes cristãs e passaram a venerar santos, aos quais o povo atribuiu poderes semelhantes às divindades antigas. Santo Antônio herdou o título de “santo casamenteiro”, São João Batista ficou ligado à fogueira, enquanto São Pedro vê sua festa tomada pelos festejos do boi-bumbá. O povo continuou a comemorar divindades ancestrais, mas convenceu os padres de que as fogueiras que acendiam nessa noite eram em honra de São João e os nobres conseguiam reproduzir nos palácios danças simbólicas que, disfarçadamente, reviviam os ritos antigos. Nas senzalas e terreiros, criados e pessoas da plebe ridicularizavam seus patrões e patroas, parodiando seus costumes e imitando suas danças juninas. No começo, as quadrilhas feitas pelos pobres eram estritamente secretas e só se faziam em ambientes de muita confiança. Depois, os nobres perderam seus títulos e os pobres assumiram, em tom de farsa, a subversão de sua imitação da corte. Até hoje, nestas festas, se vêem pessoas marginalizadas chamando-se de cavalheiros e damas; mulheres e homens do campo fantasiados de ricos e brasileiros analfabetos dirigindo a quadrilha com expressões francesas, por eles reinventadas. A ordem “Anarriê” substitui o francês “en arrière” (para trás); “anavã” entra no lugar de “en avant” (para frente); “changedidame” faz o pessoal mudar de par e “otrefuá” serve para dizer “outra vez”. Nos casamentos matutos ou caipiras, as figuras do padre e do juiz da roça são sempre ridicularizadas e a moral tradicional se revela falsa e vazia.

Para as culturas indígenas e populares, mais do que para a sociedade secularizada do Ocidente, a passagem de um ano a outro é símbolo e deve significar a entrada de um tempo novo não só na natureza, mas na vida da comunidade e de cada pessoa. Há povos nos quais um dos ritos de ano novo consiste em jogar fora roupas e objetos velhos para expressar as coisas mais profundas e íntimas com as quais cada aceita romper interiormente e, assim, estar aberto a acolher o novo.

Em todo o Brasil, as festas juninas mostram um povo que, apesar de pobre, não perde a alegria e a capacidade de brincar. Assim, vence a tentação da violência e contribui para uma cultura de paz.

* Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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