A mulher soluçou silenciosamente. Anoitecia e a serra começou a se encher de escuro. As luzes do cruzeiro começavam a brilhar como que para aliviar a escuridão da noite. Tocou a Ave Maria no sino da Catedral anunciando as cerimônias do mês de maio, mês de louvor a Nossa Senhora. Rosas, muitas rosas dos jardins de D. Anélia e de D. Argentina. Muitas crianças vestidas de anjo pela paciente e criativa D.Carlinda.
A mulher enxugou uma lágrima viciada que costumava escorrer-lhe pela face.
Aparecerem as primeiras estrelas e com elas a mulher trouxe de volta a menina trelosa que vivia em sua imaginação.
Voltou a menina danada, faceira, contadeira de histórias sem pé nem cabeça. Quem gostava de ouvi-las era sua avó. Ficava horas escutando umas conversas cheias de encantamento, de uns chás que ela chamava de dormideira, de madrastas e príncipes encantados, de homens do tamanho da serra, enfim, um montão de coisas que faziam com que a menina se desencantasse quando via que a avó cansara e dormira e roncava que nem o gato ao lado do fogão de tijolos.
A mãe entrava na igreja com o véu cobrindo a cabeça pois o padre, aquele chato, não deixava ninguém entrar com a cabeça descoberta. Ninguém, não, o padre parecia que era doido, pois enquanto as mulheres cobriam a cabeça, os homens descobriam as suas. Afinal a menina descobriu que o padre não sabia mesmo era de nada.
A mãe ajoelhava e rezava. A menina ficava só olhando. Será que Deus não adivinhava os pensamentos? Seria necessário ficar rezando e batendo com a boca?
O padre dava início às cantorias. Todos acompanhavam, sem contar que havia ainda aquela história de sentar e levantar e a menina que não era boba, apenas levantava e corria prá fora da Igreja pinotando que nem uma cabrita
Lá fora, a praça cheia de gente. A festa profana como a chamava o padre era uma coisa maravilhosa, muito colorido, bolas de todos os tamanhos, cestinhas de papel recheadas com castanhas confeitadas e, o melhor de tudo, os caramelos de Dona Laura que adoçaram a infância de muita gente.
A menina escutou quando parou a cantoria e a reza. Voltou correndo pois se sua mãe a procurasse e não encontrasse iria ser o diabo – mesmo estando ela na Igreja. A mulher pegou a menina pela mão e a levou de volta para sua prisão domiciliar.
Todas as noites via-se recolhida àquela casa enorme onde a única coisa que prestava mesmo era o quintal.