Manhã de domingo, manhã de verão. A temperatura convidava ao banho de mar e trazia a lembrança da fazenda. Na chegada do período quente, depois de um inverno de chuva, era época dos passeios aos açudes cheios, sangrando; Inês saindo da água, roupa molhada, colada no corpo, jeito manhoso de olhar.
Caminhava à beira-mar descalço, alpercatas na mão, sem compromisso com a hora. Coqueiros, cajueiros, ondas, areia, pessoas passando na minha frente, tudo me despertava atenção. Próximo de voltar, embora temeroso, resolvi entrar na água que não era morta. A experiência em nada foi confortável. Uma onda deixou-me indefeso rolando no chão, engolindo água. O banho foi rápido. Preferi ficar na areia gastando o tempo.
Na volta o motorneiro tinha arrumado os bancos do bonde em pares, um voltado para o outro, de modo que as pessoas conversavam se olhando. Três jovens sentaram-se à minha frente. Uma me atraiu, tom delicado, voz pausada. Era difícil deixar de observá-la. Por alguns momentos desviei a vista, observei as paisagens, pensei em Inês. A conversa me agradava. Queria apagar as imagens, abafar as vozes, proteger os pensamentos expostos numa sensação contraditória: ora incômoda, ora de bem-estar. Ouvi quando uma delas disse: “Celeste, vamos, essa é a nossa parada”. Aquelas palavras me provocaram um vazio. Vazio de quem cedia uma parte de si. Parte que seguia com ela. E pensei: Não, não pode ser não é Inês, por que esse sentimento? O bonde parou. Tive vontade de ir junto, mesmo sem ser o local da minha descida. Continuei olhando e vi quando ficaram na fila do cinema. Era a matinê, sessão dos jovens, ponto de encontro; início e fim das amizades, dos namoros.
O resto da tarde fiquei no terraço da pensão; local das lamentações silenciosas que criavam asas…
Este texto faz parte do livro do autor “O Avesso”