Convidados, de outras cidades, de Salvador, Padres, minha família,
Silvoney

l – 0 que significa ser cidadão de Salvador?
É entrar numa tradição. Salvador era chamada de Bahia ­ “ir à Bahia” era expressão dos antigos, que moravam no interior quando iam à capital.
De fato, Salvador é cidade-māe . Gilberto Freyre diz que ela “dá à luz a todas as outras
cidades”.

2 -­ Para mim ela é uma cidade-templo. Não é em vão que a nossa Baia (o acidente geográfico) é chamada de “Baia de Todos os Santos” – e G. Freyre acrescenta : ” e de todos os pecados”. Parece até uma profecia do que viria a ser no futuro : lugar de encontro de religiões.
Aprendi a amar essa cidade que traz o nome do Salvador – quem nasce aqui é Soteropolitano ( é grego aportuguesado). Por que?

3- Porque nela tudo é história, viva e próxima de todos nós. Aqui foi instalada a lª Diocese do Brasil, já no longínquo 25/02/1551, pelo Papa Júlio II, 50 anos após o descobrimento.

A Bahia tem uma rica história que está condensada em Salvador, com ricos testemunhos da fé cristã e com obras que nasceram da fé, tudo ampliado através da presença dos afro-descendentes – não é em vão que ela é a maior cidade africana fora da África.
Aqui são preservadas tradições que remontam às nossas origens – e é fundamental preservá-las, pois um povo sem identidade, é um povo sem história.

4- No século da colonização o Pe. Manuel da Nóbrega, em 1555, em carta a El-Rei D.João III, lastimava a falta de amor à terra baiana, por parte de muitos lusos, que vinham aqui mais preocupados em amealhar riquezas, visando uma rápida volta ao Reino – “Que El-Rei mande pessoas que queiram bem a esta terra”, suplica Nóbrega.

5- Por que gosto da Bahia, por que amo Salvador?
Esta cidade é um livro aberto- aprendemos sempre com uma história que está em cada recanto, muito perto de nós.
É um grande templo que abriga muitas tradições religiosas. Aqui se realizam muitos mimetismos, simbioses, sincretismos religiosos. E todas essas tradições merecem o nosso respeito, pois toda religião é sagrada. E nós somos frutos de todas essas assimilações.

– Houve já no século XVI um sincretismo entre catolicismo e cultos indígenas. A imposição cristã da religião levou os silvícolas a adotar praticas católicas, conservando ao antigos rituais religiosos. São os famosos “Cultos da Santidade” no Recôncavo, entre l580 e l585. Foi um sinal de resistência dos indígenas à imposição religiosa. A história registra que até os portugueses entraram nessas práticas. Isso é comprovado através das denúncias apresentadas na ocasião da lª Visitação do Santo Ofício, no final do século XVI ( l59l-92). Assim, Margarida da Costa, esposa de Fernão Cabral de Tayde, um dos mais ricos proprietários da Fazenda Jaguaribe, dizia:”Aquilo não podia ser coisa do demônio, mas alguma coisa santa de Deus: eles traziam cruzes de que os demônios
fogem… e traziam contas e nominavam Santa Maria “. Mas sob a pressão da Inquisição esses cultos arrefecem. Luiza Barbosa declara que “entendeu ser tudo aquilo falso e errôneo”, e se confessou aos padres jesuítas que a absolveram?

– Essa cidade também foi marcada pela presença dos cristãos-novos, isto é, dos judeus batizados, que já em Portugal, com D. Manuel o Venturoso,, em 1496,, foram obrigados a abraçar a fé católica. Aqui na Bahia, eles vieram desde a colonização, crescendo sua presença, tanto em busca de enriquecimento quanto para fugir às perseguições.

– Mas é a presença dos escravizados negros que marcou de forma profunda, a cultura brasileira, a Bahia, o Recôncavo e, de modo especial, Salvador, se tornado o cenário de uma África brasileira .
Aqui a presença do braço do escravizado negro foi preponderante. Sobre quando esse comércio se iniciou, há várias versões : numa, ele começou já em 1538 quando Jorge Lopes trouxe os primeiros negros para a antiga Vila do Pereira. Outros privilegiam a intensificação do tráfico em 1549, com a fundação da cidade do Salvador.

Thales de Azevedo diz que na segunda metade do século XVI, já havia nas lavouras de cana e engenho de açúcar, cerca de 3000 escravos africanos. Com os que trabalhavam noutras culturas, Luis Viana Filho, aumenta o número para 7000. O professor Thales enfatiza que já havia resistência através dos quilombos em 1575, nos arredores de
Salvador.

Com relação à sensibilidade de alguns eclesiásticos aos problemas da escravidão, Vieira era um deles. Mas a sua percepção do problema não era completa :”A escravidão era uma oportunidade deles conhecerem o Cristo “( na África teriam ficado pagãos) e, ao mesmo tempo, a escravidão era inevitável, por causa da necessidade do
desenvolvimento da colônia. Mas Serafim Leite registra que houve dois jesuítas que se insurgiram, pura e simplesmente, contra a escravidão dos negros – foram eles Gonçalo Leite e Miguel Garcia ; este último revoltava-se pelo fato de que a própria Ordem dos Jesuítas tivesse escravos no Brasil.

Cada vez mais a presença negra, com seus descendentes, se torna uma fatia significativa, marcante, da população baiana. Se, de um lado, alguns iam, paulatinamente, integrando-se na sociedade baiana, outros resistiam de diversas formas, procurando manter a sua identidade. Aumentava cada vez mais o número de revoltas e fugas de escravos. A influência islâmica marca essa etapa, culminando com a revolta dos malês em 1835. Tudo fora precedido pelo testemunho do mártir Zumbi, no final do século XVII.

Os candomblés hoje povoam Salvador e, especialmente, o Recôncavo. Por essa presença hoje aqui é representada pelas Irmãs da Boa Morte, da Ilá Deleci, do Terreiro e de Ângela Ferreira, ekekerê do Gantois, filha de Mãe Carmen e neta de Mãe Menininha do Gantois.

Houve na Fundação Pedro Calmon uma conferência do prof. Jocélio Teles, na qual ele demonstra com dados que os candomblés “se derramavam por toda a cidade do Salvador”. E ele fala nos proto-terreiros no século XIX que permeavam as freguesias baianas da capital, citando uma estatística: Sé, l7;Vitória,9;Conceição da Praia, 2;Pilar,3;Penha,2;Sto. Antonio, 16;Brotas,9.

A prática dos cultos religiosos africanos, vetada durante o período colonial, continuou recebendo as mesmas restrições ao longo do Império. Por essa razão, o costume de dissimular os rituais dedicados aos orixás sob a cobertura da devoção católica, persistiu.
P. Verger analisa o processo do sincretismo: “Uma certa tolerância ameniza o rigor das perseguições exercidas às vezes pelas autoridades contra as manifestações das crenças religiosas africanas…Estes mesmos santos que haviam protegido os interesses dos negreiros , tiveram o bom senso de trocar de posições.Passaram agora a proteger os escravos… De fato, para os africanos, este sincretismo, é freqüentemente uma espécie de máscara ao abrigo da qual eles podem adorar os deuses da África fingindo dirigir suas preces aos santos católicos.

6- Salvador é a melhor vitrine para expressar o catolicismo do povo brasileiro. À medida que havia o crescimento populacional e o desenvolvimento econômico da Bahia, também as manifestações e expressões da fé católica dos moradores da região, ganhavam mais organização e evidência. O catolicismo que veio para cá, foi o dos últimos séculos da Idade Média e que “ficou longe dos cânones tridentinos”, conforme Gilberto Freyre. O teólogo Pe. Comblin acrescenta que tomou a forma de uma religião familiar, patriarcal, de uma simplicidade quase idílica, uma religião que consola e dá saudade”. Thales de Azevedo completa essa leitura do Catolicismo Popular que manteve características lusas :”O catolicismo brasileiro herdou da cultura portuguesa uma certa brandura e tolerância. De um modo geram, a vida religiosa dos brasileiros, reduz-se aos cultos dos santos, padroeiros de suas cidades, protetores de suas lavouras (S. José : chuva) e que não se conforma com o calendário oficial da Igreja nem com as prescrições litúrgicas.
( **CONTINUA…)

*Professor Adjunto da Uneb, da Cairu, da Faculdade 2 de Julho. Membro do IGHB, da Academia Mater Salvatoris, da Associação de Interpretação do Patrimônio, ANIP, Br. Colabora nas Paróquias da Vitória e de S. Pedro.

**Obs: A Parte II será postada no dia 08.05.08.

A divisão do Discurso foi dividida por nós, devido o tamanho, não interferindo na compreensão do conteúdo. O autor foi consultado sobre tal procedimento.

– A imagem foi enviada pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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