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Obediência é uma virtude aconselhada por todas as tradições religiosas. A espiritualidade ecumênica compreende a obediência como abertura pessoal e livre que leva as pessoas a escutar interiormente e acolher positivamente a palavra e as propostas de outro. Esta obediência, adulta e responsável, baseada na liberdade do coração e realizada através do diálogo franco e aberto, conduz a pessoa a superar seus limites interiores e a aventurar-se nos caminhos do amor. Em um mundo que privilegia o individualismo e se organiza em função do lucro, esta obediência propõe a colaboração mútua no lugar da competição e contém um elemento subversivo à mesquinhez do mundo. Nada tem a ver com a subserviência ou simples submissão, muitas vezes, sugeridas pela sociedade atual que valoriza a obediência como questão de disciplina.

Em sociedades que estimulam o militarismo e o uso de armas, muitas pessoas de fé têm desobedecido a leis e se negado a participar de guerras e de violências. São milhares os jovens israelitas que se negam a lutar contra palestinos. No mundo inteiro, a cada dia, aumenta o número dos rapazes e moças que praticam e divulgam a objeção de consciência. Trata-se da atitude de quem, por convicção religiosa, social ou política, se nega a pegar em armas e a participar de guerras ou atos violentos.

A Onu propõe que se consagre o dia 15 de maio e toda esta semana para aprofundar este direito e divulgar esta atitude pacifista. Só se reconhece a dignidade humana onde a consciência individual e a fé de cada grupo forem respeitadas. Em vários países, a objeção de consciência é direito civil, reconhecido por lei. No Brasil, a Constituição garante a todos os brasileiros o direito de fazer um serviço civil no lugar do serviço militar obrigatório. Entretanto, as leis complementares não foram sancionadas e, por isso, este direito ainda não se pode exercer e poucos brasileiros têm consciência disso.

Homens e mulheres, admirados no mundo inteiro, alguns até premiados com o Nobel da Paz, foram ou ainda são, em seus países, considerados como rebeldes e desobedientes. Para os budistas tibetanos, o Dalai Lama, é a 14a reencarnação do Buda da Compaixão, enquanto que, para o governo chinês, é um dissidente, desobediente às leis. O prêmio Nobel da Paz foi dado a dois latino-americanos: Rigoberta Menchu viveu anos sem poder voltar à Guatemala para não ser morta. Adolfo Perez Esquivel foi, durante anos, ameaçado de prisão na Argentina. No Brasil dos tempos da ditadura militar, Dom Hélder Câmara, que, por pressão do governo, não recebeu o prêmio Nobel, era escutado no mundo inteiro, enquanto, em nosso país, os meios de comunicação não podiam divulgar nada que falasse em seu nome. No passado, Gandhi e Martin Luther King foram presos e condenados como desobedientes às leis vigentes. Para os católicos, muitos mártires são testemunhas da fé. Muitos deles foram condenados à morte por se negar a reconhecer o imperador como divino e outros, por objeção de consciência ao serviço militar. Do ponto de vista da fé, são heróis, mas a sociedade da época os condenou como desrespeitadores das leis vigentes e até criminosos.

Conforme a Bíblia, quando as autoridades de Jerusalém proibiram os apóstolos a falar no nome de Jesus, estes responderam: “Entre obedecer a Deus e aos homens, é melhor obedecer a Deus”(At 5, 29).

Objetar é opor-se determinadamente a cumprir uma lei que fere a consciência. Há objeção de consciência quando a pessoa se nega a cumprir ordens anti-éticas, ou que firam a vida. Em alguns países, cidadãos adquiriram o direito de saber a destinação exata do dinheiro que resulta do pagamento de seus impostos. No Peru, um soldado foi morto por seu oficial porque se negou a torturar um prisioneiro. Nos Estados Unidos, religiosas foram presas porque, para protestar contra a guerra do Iraque, transpuseram o portão da Escola Militar das Américas.

Se a objeção de consciência é direito de toda pessoa diante do poder social e político, com mais razão ainda, as religiões e Igrejas devem reconhecer o direito à dissidência e à objeção de consciência diante de um poder religioso autoritário ou, por qualquer razão, injusto. A negação deste direito abre a porta ao fundamentalismo religioso, hoje, responsável por tantos atos de intolerância e violência. O que, na Bíblia, caracteriza a fé cristã é o aprendizado da liberdade interior e social. Paulo escreveu aos coríntios: “Onde estiver o Espírito do Senhor, aí haverá liberdade” (2 Cor 3, 17). E aos gálatas: “Foi para que sejamos livres que Cristo nos libertou. Vocês não devem aceitar, por nenhum pretexto, voltar à situação de não liberdade” (Gl 5, 1. 13).

*Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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