Djanira Silva 15 de maio de 2008

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Olhei-o confusa. Não conseguia definir meus sentimentos: Medo? Ódio? Piedade?
Ainda na direção do carro, agora parado, olhava à distância buscando abismos. Não estavam lá. Estavam entre nós depois que me dissera:
– Ia te matar.
– Matar-me? Por que?
Tentou explicar, tentei entender. Não conseguimos. Falava, falava e sua voz parecia vir da imensidão do nada, da dureza da pedra negra de onde partiam as palavras como um açoite.
Senti medo. Se pensara em me matar era como se já o tivesse feito. Fora assim a vida inteira. Cada dia um pouco. As mágoas. A revolta. A resignação.
Falava. Falava. Tentava se justificar. Não convencia.
O medo deu lugar ao ódio. Não o perdoava por haver falado primeiro. Há quanto tempo alimentava o desejo de vê-lo sair da minha vida deixando-me livre. Livres. Fora o que ele dissera. Libertação, afirmara.
Por muitos anos dispusera da minha vida e por alguns instantes da minha morte. Quando disse “ia te matar”, perdeu a força, acabou o poder.
A cabeça sobre o volante. Respirava com dificuldade. Parecia temer olhar em frente, ver os abismos que o atraíam.
Chorava. O corpo sacudido, de vez em quando, por profundos soluços pendia desanimado sobre o volante. Não mais falava. Sequer me ouvia.
Consegui me controlar. Começava a entender. Éramos iguais.
Abri a porta do carro. Havia à frente um caminho iluminado. Encontrava-me no meio das luzes que víramos lá de cima no fim do caminho à beira do precipício.
Continuava debruçado sobre o volante.
Caminhei. A claridade passava por mim.
A sensação de liberdade era dolorosa.

Obs: Texto extraído do livro da autora – O Olho do Girassol.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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