Ex-Director do INETI* (Coimbra)
Escritor ([email protected])

Na opinião de alguns analistas, começa a desenhar-se, no contexto internacional, a aproximação de uma nova crise económico-financeira e, eventualmente política, cujas consequências são ainda imprevisíveis. A “Newsletter” da APEFI¹, de Novembro de 2007, já prenunciava de uma forma clara o modo como a crise no sector financeiro dos Estados Unidos se estenderia à Europa e, num artigo anterior, Luís Fiori, cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, já se referia às desavenças existentes na União Europeia, não só quanto às questões económico-financeiras, mas também a matérias de natureza política, tendo em atenção a entrada em cena dos novos actores Gordon Brown pelo Reino-Unido e Nicolas Sarkozy pela França que, conjuntamente com a alemã Angela Merkel, formaram um novo triunvirato onde as divergências se acentuaram relativamente ao anterior.

O Reino Unido nunca renunciará à condição de parceiro táctico dos Estados Unidos, dando razão histórica a Charles de Gaulle, e não parece disposto a aceitar a soberania estratégia oriunda de Bruxelas nem tão pouco se submeterá ao sistema monetário europeu. Por outro lado, o eixo franco-alemão, que constituiu a coluna vertebral da CEE, também está cheio de hérnias discais. Sarkozy entrou em confronto com a Alemanha ao pretender dilatar para além de 2010, o prazo relativo ao acordo referente à eliminação dos défices orçamentais e também por querer adoptar decisões no sentido de proteger o emprego dos franceses ameaçado pela globalização, defendendo uma estratégia monetária de longo prazo no que se refere ao desempenho do Banco Central Europeu, entrando em conflito directo com Angela Merkel, contenda que a Alemanha se prepara para ganhar.

Como se isto fosse pouco, a crise política europeia abre novas brechas com a anunciada independência do Kosovo, sabendo-se como se sabe, que esta não é matéria pacífica dentro da UE, tendo em vista não só problemas internos de alguns países da comunidade, designadamente Espanha, mas também em relação a questões energéticas, mormente o fornecimento pela Rússia de gás natural à Europa central. A hostilização dos Estados Unidos à Rússia, quanto à instalação de sistemas anti-mísseis na Polónia e na República Checa, com apoio do Reino Unido, afigura-se um estratagema bélico desfasado no tempo. Os dividendos serão unicamente centrados no domínio da hegemonia político-militar numa altura em que os países do ex-bloco soviético deitaram o marxismo-leninismo para trás das costas, os chineses esqueceram o maoismo e o Vietnam olvidou Ho Chi Minh, para aderirem, sem ambiguidades, ao capitalismo, enquanto o verdadeiro inimigo bélico se passeia de rosto embiocado.

A nova crise energética, anunciada antecipadamente pela Agência Internacional de Energia – redução da oferta de petróleo e de gás natural e escalada dos preços dos combustíveis fósseis para níveis historicamente nunca atingidos – está aí para durar, mostrando ao mundo, de um modo inequívoco, que a guerra do Iraque foi um desastre total, qualquer que seja o ângulo de visão que o observador queira tomar. Em relação à forma como a Europa está a encarar esta nova crise, tudo indica que cada país terá de se governar da maneira que achar melhor e, por isso, não é de estranhar ver, uma vez mais, Grã Bretanha, França e Alemanha a seguirem soluções unilaterais: o Reino Unido, além de contar com as suas próprias reservas, virar-se-á para os países nórdicos, a França busca solução na África mediterrânica, enquanto a Alemanha jogará com o petróleo e o gás da Rússia. Talvez por esta singularidade, se comece a entender melhor, os esforços que o governo português e o nosso Primeiro-Ministro desenvolveram no que se prende aos acordos firmados com a Venezuela e o Brasil e, em especial, com Hugo Chávez.

E, no meio de tudo isto, é caso para perguntar qual é o peso actual da Comissão Europeia e, em particular, do seu presidente. Aliás, logo nos princípios do seu mandato, Gordon Brown fez saber, aos quatro ventos, que o Reino Unido não abriria mão da condição de potência global e de charneira na NATO, quando Durão Barroso se referiu à UE como um grande império. Os frutos do trabalho meritório da Presidência Portuguesa e o valor do Tratado de Lisboa e das cimeiras Europa-Brasil e Europa-África ainda estão para ser avaliados. Vão os três grandes países europeus (Reino Unido, França e Alemanha) continuar a comungar do pecado original que sempre dividiu a manta de retalhos que é o Velho Mundo? Ninguém acredita em novas tragédias, mas que estamos longe de ter uma Europa a falar a uma só voz em termos de política externa e em termos monetários é verdade. Esperemos para ver o que dá a ratificação do tratado de Lisboa e a forma como se vai ultrapassar este novo ciclo de crise.

1 Associação para o Posicionamento Estratégico e Financeiro

(Publicado no D.C. de 21 de Março de 2008.)

* INETI – Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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