Ex-Director do INETI* (Coimbra)
Escritor ([email protected])

Quem não se lembra de Charles Chaplin e do filme «Luzes da Ribalta» (1952), cuja música continua presente, sempre que é recordado algo de belo e humaníssimo? No esquecimento estarão, por ventura, outros filmes deste grande cineasta como «Tempos Modernos» (1936) e «O Grande Ditador» (1940) que marcaram a visão que Chaplin tinha do mundo de então, motivo de sobra para a perseguição que lhe foi movida por uma das mais negras páginas da história dos Estados Unidos “O Macarthismo”. As transformações, que as novas tecnologias introduziram na sociedade contemporânea, seriam seguramente tratadas com a mesma graça, leveza, genialidade e verosimilhança, se Chaplin ainda estivesse entre nós, mas não adianta ser saudosista. Por outro lado, a sátira não evitaria a manutenção das políticas que regem a actualidade, conquanto pudesse acalentar a alma dos sofredores.

Embora o taylorismo, que agitou a velha industrialização, faça parte da história, a inserção do CAD/CAM, da automação, da robótica e de outras importantes transformações introduzidas nos processos de fabrico trouxeram, por arrasto, relevantes problemas sociais, que se têm vindo a agravar com a constante deslocalização de unidades de produção para o Leste Europeu, China, Índia e outros países. O atendimento personalizado caminha para a extinção, o comércio tradicional tem os dias contados em favor das grandes superfícies, as pessoas vivem a crédito do que não produzem, o crédito mal parado aumenta de maneira assustadora e a segurança social é cosmética de conveniência. O que não falta por aí, é gente que compra, vende, paga, negoceia, ouve música, vê filmes, namora e faz umas quantas coisas mais, sem sair da frente do computador, convictos que esta imprescindível máquina é panaceia para todos as carências. Felizmente, de há uns tempos a esta parte, alguma desta gente começou, finalmente, a interiorizar que está metida num buraco de dimensões desconhecidas, muito em particular, quando se vive em meios anestesiados. As Delegações Regionais de Serviços Públicos, Centros de Saúde, Comarcas e quejandos começaram a ser transferidas ou a desaparecer com ou sem artes de ilusionismo, as agências de seguros, de bancos e de outras serviços estão a reduzir os efectivos ao mínimo, diluindo-se na escorrência do dia-a-dia, o desemprego alastra e há quem diga que a corrupção entrou na corrente sanguínea do país, com se de uma leucemia se tratasse. Mas como o mal gosta de vir acompanhado, o sector financeiro também começa a claudicar, não sendo de excluir a hipótese de a crise financeira dos Estados Unidos se estender à Europa.

Face à situação, não é de admirar que a descrença na classe política, na justiça, na saúde, no ensino e em demais áreas seja uma realidade. Vive-se numa sociedade em que as pessoas, os organismos, as empresas e o próprio Estado interiorizaram que só têm direitos e não têm deveres. O governo quer reduzir o défice das contas públicas de uma forma obstinada, perante uma oposição amorfa, que não apresenta soluções alternativas e o corporativismo reina exuberante, como se vivêssemos num Estado Corporativo. A sociedade dá mostras de uma fragilidade confrangedora, enquanto os media, designadamente TVs, se agigantam em horário nobre, como tribunais do imediato, subjacentes ou não a interesses que ultrapassam a conquista de audiências, enquanto os espaços da manhã e da tarde são preenchidos com entreténs destinados a adormecer o país. E nesta selva confusa e cheia de escolhos, de ratoeiras e de conveniências de “undergroud”, é salutar ter ouvido António Marinho Pinto – homem de Amarante, radicado em Coimbra – a dar um abanão relativamente à situação da justiça. Numa sociedade organizada, não há lugar para actos de heroísmo, mas a desordem instiga o aparecimento de heróis e a desordem neste país é demasiado evidente.«Por bem menos, fizeram-se revoluções no passado…» creio que a frase é de Mário Soares. Por isso, as palavras do novo bastonário da Ordem dos Advogados são motivo de uma satisfação que transcende a curiosidade, tanto mais que, do ponto de vista político, Portugal continua a portar-se de uma forma absurda, brajosa, onírica e simiesca.

E dado que um cidadão tem o direito de se alhear, de quando em vez, dos problemas do país, na próxima passagem por Amarante não deixarei de parar no Zé da Calçada para almoçar, olhar o Tâmega e recordar um espectáculo dado nesta terra pelo TEUC, onde foram levadas à cena «Os Malefícios do Tabaco», «O Rinoceronte» e outras peças, evento que encerrou com uma memorável «Serenata de Coimbra» e uma estrondosa ovação que guardo com saudade. Mas como é preciso olhar para a frente, não deixarei de subir o Marão, rumo ao Teatro Municipal de Vila Real, obra meritória da cultura transmontana, onde não faltam eventos para afagar os males que por aí vão, coisa que a edilidade de Coimbra parece ter esquecido. Entretanto, manter-me-ei à espera de poder voltar a ver neste país, um evento merecedor do conteúdo e da música desse extraordinário filme de Sir Charles Spencer Chaplin «Luzes da Ribalta ».

(Publicado no D.C. de 22 de Fevereiro de 2008.)

*INETI – Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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