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Em torno do dia interamericano do índio, 19 de abril, organizações e movimentos sociais dedicam esta semana à solidariedade aos povos indígenas, ao mesmo tempo que propõem a todos os brasileiros um novo modo de olhar o índio e de conviver com estas comunidades.

Todas as pessoas movidas pela justiça sabem que a sociedade brasileira tem uma divida histórica com os povos ancestrais. Conforme cálculos aproximados dos antropólogos e arqueólogos, há pouco mais de 500 anos, no território hoje ocupado pelo Brasil, viviam entre quatro e cinco milhões de pessoas, distribuídas em mais de mil povos e etnias diferentes. Hoje, sobrevivem 900 mil índios pertencentes a 215 nações, quase todas em extrema pobreza e de profundas injustiças sociais.

Há uma semana (na 5ª feira, 10 de abril), o Conselho Indigenista Missionário publicou o relatório das violências contra os povos indígenas ocorridas entre 2006 e 2007. Só para falar de casos documentados, tem havido grande aumento de assassinatos de líderes indígenas, sem falar no suicídio de adolescentes e crianças, provocado seja pelo uso continuo de defensivos agrícolas cujo contato provoca depressão psíquica, seja mesmo pela violência de fazendeiros e empresários que, em várias regiões do país submetem jovens indígenas a condições de escravidão. O próprio Ministério Público do Trabalho no Mato Grosso do Sul denunciou o aliciamento de adolescentes índios por fazendas e empresas agrícolas que os empregam sem quaisquer documentos e em condições que equivalem à verdadeira escravidão (Cf. jornal Brasil de Fato, de 3 a 9 de abril de 2008, p. 8). Está na justiça a investigação da morte de Pedro da Silva, Guarani Kaiowá de 15 anos, cujo corpo apareceu degolado no chão queimado de uma das propriedades de uma usina já multada diversas vezes, pelo Ministério do Trabalho por contratar crianças e jovens indígenas sem pagamento devido e em condições degradantes de trabalho.

Nestes dias, a sociedade brasileira ficou sabendo de que o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa às empresas que desmatam a Rondônia para plantar soja e praticamente impediu a realização do decreto que reconhecia como terra indígena a Reserva Raposa Terra do Sol que a própria ONU já admoestou o governo brasileiro que tribunais nacionais e internacionais tinham dado ganho de causa ao povo indígena que, desde séculos, habita aquela região e, em nome da humanidade, defende a floresta, as águas e toda a vida ainda protegida naquele santuário ecológico. Com a decisão do STF, teremos mais soja para a exportação e mais cana de açúcar para os carros norte-americanos, ao mesmo tempo que menos vida para os índios e menos sustentabilidade para o planeta.

De fato, enquanto a media de vida dos brasileiros ultrapassa 74 anos, a esperança de vida para os índios daquela região não alcança 40. Vai continuar assim ou mesmo piorar, enquanto a sociedade dominante continuar julgando os índios como entrave para o progresso e obstáculo para o seu lucro.

Na contramão destas más notícias, o presidente da República sancionou a lei 11.645 que altera a lei de diretrizes e bases da educação nacional e inclui no currículo oficial da rede de ensino como disciplina obrigatória o estudo da história e das culturas das comunidades afro-descendentes e indígenas do Brasil. Não se trata apenas de uma reforma da lei, mas da proposta de um novo olhar sobre a educação e mais ainda um jeito novo de pensar o Brasil multicultural, disposto a pagar a dívida histórica que tem com as comunidades negras e indígenas e, assim, construir uma pátria mais justa e mais igualitária.

Nesta nova relação, quem sabe, a sociedade dominante descobrirá que pode aprender muito com as comunidades indígenas que ainda vivem de acordo com suas culturas ancestrais. Podemos com eles descobrir como viver uma relação mais respeitosa com a natureza, desenvolver no dia a dia cuidados eficazes de saúde preventiva, priorizar a atenção com as pessoas mais velhas e o carinho com as crianças, sem falar na abertura a uma mística de amor que permeia a vida inteira. Nesta valorização das culturas indígenas e afro-descendentes, as Igrejas cristãs que, durante tantos séculos, desvalorizaram e condenaram suas tradições, são chamadas a testemunhar que, se estas comunidades resistiram e resistem a tanto sofrimento e são capazes de manifestar uma força espiritual tão viva é sinal de que o próprio Espírito Divino as guia e ilumina no caminho da ressurreição e da vida plena.

* Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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