Ex-Director do INETI* (Coimbra)
Escritor ([email protected])

Já abordámos nestas páginas O “ESTADO DO ENSINO”, dando relevo à “Via Profissionalizante”. Escrevemos, nessa altura, que Portugal se encontrava metido num atoleiro, facto pelo qual, até um optimista teria dificuldade em vislumbrar uma solução. Volvidos dois meses e meio, rebentou de uma forma telúrica a tensão que se vinha acumulando, face a uma estratégia política desastrosa, não obstante a essência da regulamentação ter alguma consistência teórica. As sociedades são como a Natureza. Na Natureza, nem sempre existem condições para que as tensões geradas em seu seio se dissipem lentamente, o que dá origem a fenómenos violentos, como sejam erupções vulcânicas e sismos. Mas também há desastres catastróficos causados pela ignorância ou inabilidade do homem. Por exemplo, quando na construção de uma barragem de terra, se utiliza excesso de rega e de energia de compactação, a fim de se satisfazerem pressas de uma programação mal elaborada, a tensão intersticial no aterro sobe drasticamente, tendo como consequência directa a ruptura e o colapso da obra. O estudo detalhado destes dislates, permitiu identificar as razões dos acontecimentos, melhorar os projectos e os métodos construtivos. Os sociólogos devem andar às escuras, no que se refere ao estudo previsional das convulsões sociais, contentando-se em explicá-las “a posteriori”, o que já não acontece com as gentes da Geotecnia e da Mecânica dos Solos quando, agora, projectam e constroem barragens de terra. O que aconteceu entre o Ministério da Educação e os professores tem muito desta problemática.

Com a entrada deste governo, os professores afectos ao Ministério da Educação começaram a ser submetidos a um acréscimo de pressão que, adicionado ao stress do quotidiano das escolas, se tornou insuportável. À exiguidade de meios, juntou-se uma indisciplina crescente que, em alguns locais, atinge foros de violência, ligada ou não a actividades de pequenos gangs juvenis. Trata-se de um tema recorrente nos media, na literatura e no cinema, onde pontua, desde longa data, o celebérrimo filme “Sementes de Violência” de Richard Brooks1, que trouxe para a tela o rock’n’roll e a famosa criação de Bill Haley “Rock Around the Clock”. Portugal anda desfasado no tempo e não aprende com a experiência dos outros países. Não fica bem ao governo, ver o Procurador-Geral da República vir a terreiro alertar para um caso que os políticos olham de viés. A docência tornou-se, inclusivamente, uma profissão de risco nas áreas suburbanas onde impera a marginalidade. Por estas razões, dados estatísticos e “rankings” de escolas são floreados cuja significância estatística é nula. A Ministra da Educação parece ignorar estas realidades, mostrando-se mais interessada em exibir resultados fantasmáticos do que a construir uma escola segura e exigente, não só a nível da docência, mas também a nível da discência. Antes de se exigir em demasia, é preciso proporcionar condições para que seja viável leccionar adequadamente. A maioria dos conteúdos programáticos são péssimos, os laboratórios não funcionam, faltam equipamentos didácticos e consumíveis e faltam pedagogias mobilizadoras, factos que propiciam aulas monótonas e o correspondente alheamento dos alunos, cujo gracejo instiga à desordem, a menos que a qualidade do docente seja excepcionalmente criativa e cativante.

Mas terão os professores e os sindicatos razão no que se refere à avaliação? É obvio que não! Todos os funcionários públicos deste país são sujeitos à avaliação, à excepção dos professores do básico e secundário. Na docência universitária, na carreira de investigação, na carreira técnica superior e em outras carreiras há, inclusivamente, provas públicas, quando abrem as vagas, e mesmo que passem todos, alguém fica de fora, pois o número de vagas é quase sempre inferior ao número de candidatos. Se todos os funcionários são anualmente avaliados, por que razão é que os professores dos ensinos básico e secundário não hão-de ser? ? «É um direito adquirido!» Dirão muitos. Pois é, mas as injustiças corrigem-se. A não avaliação dos professores do ensino básico e secundário e a subida tácita de escalão é uma discriminação. E por que é que esta injustiça existe? Pela irresponsabilidade de desastrosas políticas para a educação, que têm levado o ensino à situação caótica em que se encontra. E o PSD e o PS têm grandes responsabilidades na matéria. Trataram, sempre, o ensino básico e secundário, com políticas levianas – inerentes a conjunturas de circunstância e a interesses embiocados – que teriam de desaguar em convulsões, quando alguém tentasse arrumar a casa.

É pena que a obcecação da Ministra a tivesse levado a esquecer o bom senso e, em política, é tão necessário ser-se astuto como prudente. Depende das ocasiões, dos fins a atingir e dos meios de que se dispõe. E sabendo-se que o governo está a fazer uma política de contenção orçamental, não se pode exigir sacrifícios com uma mão e chicotear com a outra. De qualquer modo, a manifestação dos professores não deixou de ser um acto com vestes corporativas, manietado por sindicatos cuja inserção política é conhecida. Seria muito mais idóneo que os professores saíssem à rua, em massa, para exigirem infra-estruturas e unidades didácticas apropriadas, adequada revisão dos conteúdos curriculares, reabertura de laboratórios, combate à indisciplina e à violência, financiamento condizente com as necessidades, etc., etc. O mal está feito! Vamos esperar, para ver.

( Publicado no D.C.de 4 de Abril de 2008.)

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1 Filme de 1955, com Glenn Ford no papel de professor e Sidney Poitier e Vic Morrow nos papéis de alunos rebeldes associados a gangs…

*INETI – Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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