No próximo sábado, dia 29/03, a Cidade do Salvador completa 459 anos. Ela é a primeira cidade do Brasil, datando de 1549. Mas permanece uma polêmica com relação ao dia e mês de sua fundação. Theodoro Sampaio sugere que seja 13 de junho, pois nesse dia foi realizada a primeira procissão de Corpus Christi, conforme carta do Pe. Manuel da Nóbrega. O historiador Pedro Calmon defende que a data correta é o l° de maio, momento em que os trabalhadores na construção dos muros, começaram a “vencer soldos”, isto é, receberam seus honorários sob a forma de objetos utilitários. Não sendo possível uma data exata, uma comissão de representantes do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, da Academia de Letras e do Centro de Estudos Baianos, sugeriu o dia 29 de março, com o argumento de que fora essa a data de desembarque do primeiro Governador Geral na enseada do Porto da Barra, episódio do qual não existe dúvidas.

Às vésperas desse dia, 6ª feira, recebo o título de Cidadão de Salvador, o que muito me honra. O convite, distribuído pela Câmara diz assim: “A Câmara Municipal do Salvador tem a honra de convidar V. Exa. para a solenidade de outorga do Título de Cidadão da Cidade do Salvador ao Pe. Sebastião Heber Vieira Costa, nos termos da Resolução n° 1.752/07, requerida pelo Vereador Silvoney Salles, a ser realizada no dia 28 de março, às 19 horas no Plenário Cosme de Farias. Paço da Câmara Municipal, fevereiro de 2008, Valdenor Cardoso, Presidente”.

De fato, sinto-me honrado com essa outorga, pois estou em Salvador há sete anos e com ela e com suas tradições tenho me identificado.
E o que significa ser Cidadão de Salvador?

Mais do que um mero título, é entrar numa tradição. Salvador era antigamente chamada de Bahia – “ir à Bahia” era a expressão dos mais antigos, que moravam no
interior, quando queriam ir à capital. E, de fato, Salvador, é Cidade-Mãe. Gilberto Freyre, falando a esse propósito, diz que ela “dá à luz a todas as outras cidades”, da Bahia e do Brasil.
Para mim ela é uma Cidade-Templo. Não é em vão que a nossa Baía (o acidente geográfico) é chamada de Todos os Santos, a que Gilberto Freyre acrescenta: “E de todos os pecados”. Parece até uma profecia daquilo que ela seria: a cidade que reúne tantas tradições religiosas.

Porque aprendi a amar essa cidade que traz o nome do Salvador? Quem nasce aqui é soteropolitano – é uma palavra grega aportuguesada.
Porque tudo nela é história, de uma história viva e muito próxima de nós. Aqui foi instalada a primeira Diocese do Brasil, já no longínquo 25/02/1551, pelo Papa Júlio II, 50
anos após o descobrimento.
A Bahia tem uma rica história que está condensada em Salvador, com ricos testemunhos da fé cristã e com obras que nasceram dessa mesma fé, tudo ampliado através da presença dos afro-descendentes – não é vão que ela é a maior cidade africana fora África. Aqui são preservadas tradições que remontam às nossas origens – e é fundamental preservá-las, pois um povo sem identidade, é um povo sem memória e sem história.

No século da colonização, o Pe. Manuel da Nóbrega, em 1555, em carta a El_Rey D. João III lastimava a falta de amor a terra baiana, por parte de muitos lusos, que vinham aqui mais preocupados em amealhar riquezas, visando uma rápida volta ao Reino. Suplicava ele :”Que El-Rei mande pessoas que queiram bem a esta terra”.

Por que gosto da Bahia, por que amo Salvador?
Esta cidade é um livro aberto – aprendemos sempre com uma história que está em cada recanto, sempre muito perto de nós. É um grande templo que abriga muitas tradições religiosas. Aqui se realizam muitos mimetismos, simbioses, sincretismos religiosos. E todas essa tradições merecem o nosso respeito, pois toda religião é sagrada. Nós somos frutos dessas assimilações.
Salvador é a melhor vitrine para expressar o catolicismo do povo brasileiro. À medida que havia o crescimento populacional e o desenvolvimento econômico da
Bahia, também as manifestações e expressões da fé católica dos moradores da região, ganhavam mais organização e evidência. O catolicismo que veio para cá foi o dos últimos séculos da Idade Média e que “ficou longe dos cânones tridentinos”, conforme Gilberto Freyre. O teólogo Pe. Comblin, acrescenta que “o Catolicismo tomou a forma de uma religião patriarcal, familiar, de uma simplicidade quase idílica , uma religião que consola e dá saudade”.
A colonização lusa é marcada pela construção de igrejas dedicadas aos santos e, sobretudo, ao culto mariano. Poderia haver lugar melhor do que Salvador e o Recôncavo
para fazer essa constatação ?

Recordo-me que esse costume de conceder Títulos de Cidadania, já estava nos hábitos do povo romano. E, nessa perspectiva, lembrei-me de S. Paulo. O famoso pregador do Evangelho aos pagãos, que no julgamento, argumentou que “era cidadão romano”, o que confundiu seus adversários, e foi adiando seu julgamento, até chegar o momento decisivo.
Considero uma feliz coincidência que esse Título me seja concedido às vésperas do aniversário da Cidade que completa seus 459 anos.

Professor de Antropologia da Uneb, da Cairu, da Faculdade 2 de Julho. Membro do IGHB, da Academia Mater Salvatoris, da Associação Nacional de interpretação do Patrimônio – Anip, Br. Colabora nas Paróquias da Vitória e de S. Pedro.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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