( março de 2008)
Uma coisa que me fascinava como criança, era ouvir a conversa dos mais velhos. Apanhei, diversas vezes, por ficar escondido para saber os que os adultos proseavam. Hoje, continuo achando prazeroso ouvir o que o senso comum confabula quando viaja nos transportes coletivos, quando gasta seu tempo nas incontáveis filas desse País e quando usa os corredores das reuniões. Aí, as pessoas, além de conchavarem, aproveitam para falar mal de alguém, contar piadas e jogar conversa fora.
Pretendo seguir o conselho de Cora Coralina – “Feliz quem transfere o que sabe e aprende o que ensina” – e partilhar, em pequenas doses, vários conhecimentos que a gente vai aprendendo pela vida e, quem sabe, acabo por aprender a encarná-las na minha vivência cotidiana. Esses saberes são saborosos e densos e, por isso, puderam ser sintetizados em expressões simples e fáceis de memorizar como: a água sempre procura o caminho mais fácil, ninguém tropeça numa montanha, o inimigo do meu inimigo não pode ser meu amigo.
Quando falo em conhecimento, me lembro de Sofia que, com apenas seis meses, sabe nadar e envergonha muitos técnicos de natação que se especializaram em transmitir informações de como nadar. Ela não sabe que sabe e com mais informações vai saber nadar melhor – quem faz já sabe, quem pensa sobre o que faz, faz melhor. Certamente, há ligação entre informação e conhecimento, mas também profundo abismo porque erudição nem sempre vira força material para transformar a realidade.
Tenho um colega que, de vez em quando se pergunta qual foi a vantagem de, aos doze anos, ter lido toda a Enciclopédia Barsa. Pelo jeito, há muitos arquivos e neurônios entulhados de cultura inútil como a informação de que a soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa. Não se trata de duvidar da afirmação, mas de se perguntar que estudos são importantes para a realização da vida. Pois, se a informação não é entendida, assimilada e, sobretudo, aplicada não se torna conhecimento vital.
Vamos a um primeiro ensino:
1. Só quando a gente conhece o mapa, pode fazer atalhos.
Parece que todo mundo tem essa experiência. Ao chegar a um novo território, seja ele uma cidade, uma escola, o espaço de um grupo… a tendência comum é seguir a trilha indicada, é copiar o ritual observado. Pela insegurança de quem é estranho, o calouro crê e segue os veteranos. Também vale para os erros. Minha mãe sempre ia direto aos mais velhos porque, segundo ela, onde há discípulos também há mestres. Não é à toa que se reforça a pedagogia do exemplo – nada pior do que uma linda pregação seguida de um mau exemplo. Quando se alcança o domínio do ambiente, então, nos sentimos livres para desobedecer, criar, atalhar… E, olhando para trás, ver como éramos crédulos, ingênuos e seguidistas.
Esse saber é um ensino de caráter pedagógico. E, porque toda pessoa já sabe, é necessário relembrar que pedagogia é repetição – repetitio mater studiorum. As crianças imitam os pais no jeito, nos gestos e nos sestros. A medalha olímpica, como as diversas artes, além da vontade e talento, resume as intermináveis horas e meses de repetição. É claro que quem vê os goles que tomo, não vê os tombos que levo. Por tudo isso, é que a ideologia capitalista que prega o fast em tudo, hoje, é contestada pelo convite a andar de devagar porque já se teve pressa e já se chorou demais.
Então, vamos repetir:
a gente não apreende (=capta), de uma só vez. Roma não foi feita num só dia. A gente grava quando associa a uma experiência, idéia, objeto ou interesse.
o saber é cumulativo – água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. De tanto fazer, de novo, e de forma nova e eliminando movimentos inúteis, a pessoa se torna sabida que pode até chegar a fazer coisas de olhos fechados.
aprender e ensinar é um exercício de paciência. Basta olhar o esforço da criança para dizer as primeiras palavras, usar o talher ou controlar seus instrumentos de rabiscar.
o entendimento do que é dito é uma condição para poder assimilá-lo e, então, aplicá-lo, reformá-lo, negá-lo, recriá-lo… Inventar atalhos é indispensável. Mas, o atalho é o salto de qualidade descoberto por quem fez o processo aparentemente repetido.
pra que ansiedade, pressa? Quem à força de preocupação poderá acrescentar uma polegada sequer à sua estatura?
Dizer tudo isso, de novo e, de forma bonita e cheio de sabor, aí vai um poema:
Aula de vôo – Mauro Iasi
O conhecimento caminha lento feito lagarta.
Primeiro não sabe que sabe e,
voraz, contenta-se com cotidiano orvalho
deixado nas folhas vividas das manhãs.
Depois pensa que sabe e
se fecha em si mesmo:
faz muralhas, cava trincheiras,
ergue barricadas.
Defendendo o que pensa saber
levanta certeza na forma de muro
orgulhando-se do seu casulo.
Até que maduro explode em vôos
rindo do tempo que imaginava saber
ou guardava preso o que sabia.
Voa alto sua ousadia
reconhecendo o suor dos séculos,
no orvalho de cada dia.
Mesmo o vôo mais belo,
descobre um dia não ser eterno.
É tempo de acasalar,
voltar à terra com seus ovos,
à espera de novos e prosaicos lagartos
O conhecimento é assim ri de si mesmo
e de suas certezas.
É meta da forma, metamorfose,
movimento, fluir do tempo
que tanto cria como arrasa.
Ele nos mostra que para o vôo
é preciso tanto o casulo como a asa.