A greve de fome do bispo e a atitude do governo Lula e da imprensa empresarial de silenciar o protesto, coloca para o momento, a discussão do que é diálogo. D. Luís Cappio, quando mencionado, aparece aos olhos do País, como radical e intransigente e não se diz que muita gente, ao redor do mundo, se junta a ele por considerar sua entrega legítima porque a causa é justa.

Para discutir o diálogo, prefiro, primeiro, falar do sentido do “verdadeiro”.
1. Antigamente, o café, em casa ou no restaurante, já vinha adoçado. Hoje, por questões de saúde ou porque muita gente aprendeu a saborear o café, ele já aparece nas mesas com um aviso: “café” e “café sem açúcar”. A minúscula preposição sem insinua que o “verdadeiro café” é aquele que deixou de ser natural e adicionou outro componente. O café “puro” serviu apenas de trampolim.

2. Certa vez, um conhecido apresentador de televisão, ao receber um vistoso bouquet de rosas, para agradecer e mostrar sensibilidade, declarou: essas rosas são tão bonitas e perfeitas que parecem artificiais. Além da “grosseria” do comentário, há a afirmação inconsciente que de tanto triunfar a maquiagem, é a verdade que precisa provar que “este homem sim é um verdadeiro israelita no qual não há fingimento” ou tal coisa é original, não é “cópia”, é autêntica. A rosa original seria, então, embuste e sombra da bela rosa artesanal, até que a primeira prove sua veracidade.

3. Se, por acaso, o coffea arábica assumisse sua identidade poderia reivindicar que se mudasse a inscrição e se colocasse “café” e “café com açúcar”. Essa aparente pequena mudança seria revolucionária porque resgataria a “ordem natural das coisas”. Faria isso sem discriminar a evolução posterior do café, acontecida pelos mais variados interesses, no decorrer dos séculos e das culturas. Se a moda pega, todos os outros sabores naturais – o doce, o salgado, o ácido, o apimentado… – poderiam, por sua vez, pegar carona e exigir que lhes fosse reconhecida a identidade e dignidade original.

4. Desde tempos imemoriais, o princípio professado é que “de gustibus et coloribus non est disputandum” (de cor e gosto não se discute). Na prática, o que se aceita “mesmo”, “de verdade”, é o tácito consenso de que “não se discute, mas lamenta-se”. Quer dizer, não vale a verdade que eu digo, vale a versão que dou da verdade, a versão tornada paradigma, óculos, idéia comum… que reproduzida serve para reforçar o poder de alguém que lucra com a falsificação ou a modificação.

5. Parece que o aparente e o verdadeiro nasceram e seguem agarrados, em uma eterna luta dos contrários. No momento, vence o que representa a personagem, a maquiagem que, se possível, ao tomar existência própria, convence até gente iniciada. Quando a máscara (personna) adquire identidade e trajetória própria, se distancia e chega a negar a pessoa que lhe deu sentido e molde. Invertem-se, assim, os papéis: a fantasia vira realidade, o comercial vende sensação, a cortesia toma o lugar da amizade, o ritual substitui a crença, a mentira se torna a verdade pela repetição e o Papai Noel da Coca-cola vira pura bondade.

6. Que aconteceria se o resgate da originalidade dos vegetais se aplicasse também aos animais e, sobretudo, aos humanos? A pseudo superioridade de determinado biotipo, dom individual, cor, lugar de nascimento, oportunidade histórica…, sem diminuir os diversos cruzamentos e matizes, romperiam com a ditadura do padrão que, por um lado, foi imposta e, por outro, foi introjetada pelos setores que aprenderam e aceitaram a inferioridade. Aliás, já houve quem proclamasse: que seria do verde se não fosse o amarelo, o vermelho…!

7. Em geral, existe verdade quando se pode comprovar se há coerência entre um objeto e sua descrição, entre o fato e a notícia que dele se faz, entre a prática e o discurso que a legitima, entre a intenção que se quer e a finalidade que se declara. A comparação feita, em qualquer latitude, precisa sempre levar em conta o momento, a cultura e o ponto de vista de quem está falando. Quando há sinceridade (sine+cera = sem cera, sem mascaramento), quando se age como se professa, pode, então, haver diálogo porque existem verdades para entrar em um processo de intercâmbio.

dezembro 2007

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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